Muita gente acha que o Google é um veículo de notícias. Que fique claro: não é! Ele simplesmente reproduz o conteúdo produzido por jornais, rádios, emissoras de TV e sites — em resumo, empresas que contratam dezenas, às vezes, centenas de jornalistas profissionais. Ou seja, o Google não produz uma notícia sozinho. Depende dos veículos de comunicação para dinamizar o uso de sua ferramenta de busca.
Não fossem essas empresas — como The New York Times, O Globo ou GZH —, Google (do Grupo Alphabet) ou as demais big techs, como Meta (dona do Facebook e Instagram), Twitter e outras seriam abastecidas apenas pelo que seus usuários postam nas redes, das imagens de gatinhos, do churrasco do fim de semana a boatos, ou sua versão contemporânea, as fake news. E se você procurasse informações sobre um crime, um acidente, o reajuste dos salários dos servidores, o acúmulo de lixo por inoperância da prefeitura da sua cidade, um ato de corrupção ou o estado de saúde do papa Francisco, provavelmente não encontraria essas notícias. Haveria mentiras, boatos, memes ou fofocas. Tudo, menos a verdade dos fatos.
O outro lado dessa história é que fazer jornalismo de qualidade custa caro — para enviar repórteres para cobrir um jogo de futebol da Libertadores ou para reportar um conflito, por exemplo. E esse custo sempre foi pago pela publicidade. O problema é que, hoje, quase 70% desses anúncios digitais são abocanhados pelas big techs.
Ou seja, Google e outras gigantes tecnológicas não apenas não produzem conteúdo informativo de qualidade como também ficam com a maior parte da receita publicitária, que antes abastecia o bom jornalismo. Em 2021, por exemplo, a receita das cinco grandes companhias foi de US$ 1,4 trilhão, o que, se comparado ao Produto Interno Bruto (PIB) de um país, seria superior ao da Espanha ou da Indonésia ou o do México. Você leu bem: as cinco grandes empresas digitais do mundo acumulam mais dinheiro do que as riquezas de um país inteiro. Em troca, pouco oferecem: alguma publicidade programática aos jornais e apoio esporádico a iniciativas inovadoras de alguns veículos de comunicação.
Por isso, muitos países, como Austrália, os membros da União Europeia e o Canadá discutem maneiras de financiar o jornalismo profissional. No último dia 2, a Assembleia Legislativa da Califórnia, o mais rico Estado americano, por exemplo, aprovou, por 46 votos a favor e apenas seis contrários, a chamada Lei de Preservação do Jornalismo (The California Journalism Preservation Act), segundo a qual as big techs terão de repassar uma porcentagem de suas receitas com publicidade a veículos de comunicação. Mais: a legislação exigirá que essas empresas invistam 70% desse valor em empregos. A News Media Alliance, que reúne 2 mil companhias de jornalismo dos EUA, considerou que os americanos estão compreendendo a importância e o valor do jornalismo para manter suas comunidades seguras e informadas a respeito de quem está no poder, conforme Danielle Coffey, presidente da entidade. A proposta ainda precisa ser aprovada pelo Senado californiano.
As big techs, como Google, ameaçam retirar conteúdos jornalísticos se a medida for aprovada. Esse tipo de pressão não é novidade. Na Austrália, as redes sociais chegaram a retirar esse material do ar por algum tempo de suas plataformas, mas voltaram atrás — e fecharam um acordo, com repasse de US$ 200 milhões por ano para veículos de jornalismo. Porque, sim, os jornais precisam da circulação e visibilidade que as plataformas digitais dão a seus conteúdos — o que se reverte em audiência. Mas, sem os jornais (e rádios, TVs e sites), as plataformas se tornariam completamente irrelevantes.
Esse jogo sujo das big techs também experimentamos no debate recente no Brasil sobre o projeto de lei 2630, o chamado PL das Fake News, quando Google usou sua plataforma para dizer, de forma mentirosa, que a aprovação da medida significaria censura no Brasil. O PL, que traz em seu bojo outros temas fundamentais para a regulamentação das redes e a democracia, versa também, no artigo 32, sobre a remuneração do jornalismo. Tudo indica, porém, que essa exigência será retirada do texto pelo relator da medida, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), a fim de facilitar sua tramitação no Congresso, onde está entravado. Esse tema deve ser apensado (juntado) a outro projeto, de autoria da deputada Jandira Feghali, que trata dos direitos autorais de artistas.