Dos 71 aviões de combate envolvidos na operação da China contra Taiwan, pelo menos 35 teriam cruzado a chamada Linha Mediana, divisa imaginária entre os dois territórios no Estreito de Taiwan — não reconhecida oficialmente pela comunidade internacional, mas que, se a ilha fosse um país tratado como independente pelas Nações Unidas, por exemplo, seria sua fronteira natural. A ação pode ser identificada como a maior incursão aérea contra Taiwan na história. Mas não é um fato isolado neste final de 2022.
A tensão vem crescendo entre o gigante chinês e o território minúsculo na sua costa, para onde se mudaram os opositores das forças que venceram a revolução liderada por Mao Tsé-Tung em 1949. Há motivos internos e externos que explicam a ação militar.
No plano doméstico, o regime de Xi Jinping vem sofrendo intensas pressões devido ao crescimento menor da economia e ao aumento dos casos de coronavírus, mesmo diante do programa de covid zero imposto pelo governo. Há insatisfação popular com a paralisação e a reclusão de cidades inteiras quando um ou outro caso é registrado.
Ao mesmo tempo, Xi, no poder desde 2012, assume o terceiro mandato com aura de imperador, o que significa autoridade reforçada, mas não a garantia de que não haverá contestações. A resposta do governo, como em toda ditadura, de esquerda ou de direita, é apertar o torniquete contra a oposição — venha de onde vier, no Tibete ou em Hong Kong, descentralizando, no caso de Pequim, o poder do Partido Comunista Chinês.
Do ponto de vista externo, a China tem sofrido pressões que colocaram à prova o poder de Xi. Em agosto, a presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos viajou a Taiwan, em franco desafio às orientações do governo americano, de seu aliado democrata Joe Biden. A visita inaugurou a pior crise entre Estados Unidos e China em anos.
Ato contínuo, houve uma mobilização militar impressionante contra Taiwan, com disparo de mísseis que cruzaram a ilha de Oeste para Leste e que serviram como ensaio para uma futura invasão. Sim, porque, para a China — e até Taiwan admite —, não é questão de “se” mas de “quando” ela ocorrerá.
A crise deste final de 2022 é uma retaliação chinesa à aprovação pelo governo dos EUA de um pacote de ajuda militar a Taiwan na ordem de US$ 10 bilhões por cinco anos. Pequim quer mostrar quem manda na região, e enviou os caças para intimidar o governo taiwanês — e, por tabela, Washington.
A tensão crescente no Extremo Oriente descortina duas questões: a primeira é a posição ambígua dos Estados Unidos em relação aos territórios. O ingresso da China no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 1971, se deu a partir do reconhecimento de que o território continental representa o verdadeiro Estado chinês — e não Taiwan.
Ou seja, os EUA reconhecem a política de “uma só China”. Ao mesmo tempo, porém, naquele ano prometeram proteger Taiwan de qualquer eventual ataque chinês — o que equivale a uma espécie de protetorado americano nas barbas da China, que vê a ilha como província rebelde.
O segundo ponto é provável e perigoso: em 2023, a tensão internacional — e uma possível guerra — pode migrar do Leste Europeu para o Extremo Oriente. O conflito na Ucrânia ofuscou o verdadeiro embate global do século 21: a batalha pela hegemonia das relações internacionais entre Estados Unidos e China, que se realiza no plano econômico, mas se ensaia para o campo militar.