Quando a guerra na Ucrânia começou, muito se falava sobre o risco de um míssil cair próximo à fronteira com a Polônia, um país da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). O ato poderia ser o estopim para o início de uma guerra direta entre a Rússia e a aliança militar do Ocidente. O tal transbordamento do conflito.
Mas é mais ao Norte, na região do Báltico, que situa-se uma das regiões mais perigosas do mundo, uma das últimas fronteiras da Guerra Fria e para onde o mundo começa a olhar, temendo a escalada da crise.
Isso porque, ali, está localizado Kaliningrado, um território que pertence à Rússia, espremido entre dois países da Otan, Lituânia e Polônia. A área, de 15 mil quilômetros quadrados e com quase 1 milhão de habitantes, é considerada um posto militar de vanguarda pela Rússia, apelidada de "porta-aviões impossível de afundar" no Báltico. Do ponto de vista estratégico, Kaliningrado é uma espécie de braço estendido de Vladimir Putin sobre a Europa.
A maioria dos estrategistas concorda que, se houver uma guerra entre Rússia e Otan, ali será o primeiro ponto de atrito entre as tropas - em especial, o chamado Corredor de Suwalki, uma linha imaginária de cem quilômetros que compreende a fronteira entre Polônia e Lituânia e que liga Belarus (aliado incondicional da Rússia) e Kaliningrado. É considerado por generais um local perfeito para uma invasão por terra pelos russos, com uso de carros de combate.
A tensão aumentou desde o final de semana, quando a Lituânia, um país da União Europeia (UE), decidiu aplicar em seu território as sanções econômicas do bloco a produtos russos. Na prática, isso significa que trens transportando carvão, combustível, material de construção, eletrodomésticos e comida, entre outros itens provenientes da Rússia, estão proibidos de cruzar o país para chegar a Kaliningrado. Assim, esse território russo, um exclave, na linguagem técnica, está isolado por terra. Entre 40% e 50% dos produtos consumidos na região são provenientes da Rússia.
Kaliningrado sempre foi o calcanhar de Aquiles da Otan. A área foi ocupada pelos germânicos durante sua expansão para territórios eslavos. A principal cidade, capital administrativa de mesmo nome, foi fundada em 1255. A ocupação soviética ocorreu durante batalhas na Segunda Guerra Mundial contra a a Alemanha nazista. A área que se chamava Konigsberg foi refundada pós-1945 e rebatizada Kaliningrado em homenagem ao ex-líder soviético Mikhail Kalinin, revolucionário bolchevique e um dos fundadores da URSS.
Prevendo a escalada da tensão, Putin, semanas antes da invasão da Ucrânia, em fevereiro, aumentou a presença militar na área. Posicionou mísseis hipersônicos em Kaliningrado, que é sede também da poderosa frota do Báltico. Nesse naco de terra, também estão os mísseis Iskander, com capacidade para transportar ogivas nucleares.
Com a decisão de Suécia e Finlândia de apresentarem pedidos de ingresso na Otan, a região se tornou ainda mais explosiva. Além disso, a relação da Rússia com a Lituânia é tensa. Ex-República soviética, o país foi o primeiro a declarar a independência, em 1990. Depois, integrou-se à Otan e à UE - tudo o que a Ucrânia, por exemplo, deseja. E, como se sabe, esses são movimentos que Putin considera imperdoáveis.