Um olhar sobre o mapa da América Latina, um dia depois da eleição de Gustavo Petro, permite a seguinte conclusão: entre os principais países, nove têm (ou terão, no caso da Colômbia) governos de esquerda - além dela, Chile (Gabriel Boric), Peru (Pedro Castillo), Argentina (Alberto Fernández), Bolívia (Luis Arce), México (Andrés Manuel López Obrador), Venezuela (Nicolás Maduro), Nicarágua (Daniel Ortega) e Cuba (Miguel Díaz-Canel).
Ainda, falando apenas dos principais, quatro têm governos de direita: Brasil (Jair Bolsonaro), Uruguai (Luis Lacalle Pou), Paraguai (Mario Abdo Benítez) e Equador (Guillermo Lasso).
Claro que há nuances nos dois lados do espectro político. A direita de Bolsonaro é diferente da de Lacalle Pou. No campo da esquerda, os tons são ainda mais diversos. Não é possível colocar no mesmo barco Maduro, Díaz-Canel, Ortega, Fernández, Boric e Petro.
Venezuela e Cuba são ditaduras. E Nicarágua caminha para uma. Fernández é líder de um governo peronista, que é um saco de gatos ideológico - da extrema-esquerda à direita. Boric comanda uma centro-esquerda mais arejada, representa uma nova geração que, inclusive, condena autoritarismos de seu próprio campo político. E Petro, um ex-guerrilheiro, torturado e exilado que deu adeus às armas e foi vereador, prefeito de Bogotá e senador por dois mandatos. São histórias políticas diferentes.
No entanto, há problemas semelhantes, com raízes históricas, nesses países - entre os quais, o nosso. São nações que dependem da exportação de commodities, sofreram muito com a pandemia de covid-19 (especialmente Brasil, Peru e Colômbia), vivem alta da inflação e do desemprego e a classe média sofre com a redução do poder aquisitivo. São países dependentes do petróleo para fazer mover sua produção.
Alguns viveram protestos gigantescos entre 2019 e 2021, como o Chile, o Equador e a própria Colômbia. Foram revoluções em alguns casos.
Cada um teve seu estopim: no Chile, o aumento do preço da tarifa do transporte público, no Equador a elevação dos combustíveis e, na Colômbia, contra a reforma tributária do presidente Iván Duque. Mas o pano de fundo era o mesmo: a desigualdade social, a dificuldade de acesso à educação e à saúde, a revolta com a corrupção endêmica.
Aliás, por falar em corrupção endêmica, a maioria dos países latino-americanos sofreram ou sofrem com esse mal. À esquerda ou à direita. No Peru, praticamente todos os presidentes eleitos desde 2000 estão envolvidos na Lava-Jato - um deles, Alan García, se matou quando ia ser preso, e Alejandro Toledo está foragido nos EUA. Desde 2016, o país teve cinco presidentes. E Pedro Castillo, eleito oito meses atrás, já sobreviveu a dois processos de impeachment por acusações de corrupção.
Na Argentina, entra governo e sai governo e a urucubaca da crise não dá trégua. A pandemia pegou o país com uma dívida impagável, os preços subindo sem controle e a pobreza enchendo as calçadas de pedintes. É impressionante o número de lojas fechadas na Calle Florida.
Uma coisa é ser candidato, a outra é governar. Gabriel Boric, no Chile, que o diga. Em três meses de mandato, o jovem presidente de esquerda viu sua aprovação despencar de 50% para 36%, enquanto dezenas de problemas se avolumam sobre sua mesa no Palácio de La Moneda, obrigando-o, por vezes, a definir medidas que vão na contramão das promessas de campanha. Uma dessas contradições diz respeito à autonomia territorial dos povos mapuches, que habitam desde períodos pré-colombianos o sul do Chile.
No caso colombiano, os desafios também são hercúleos. O país viveu por 40 anos em guerra civil entre as Farc e o Estado. Após o acordo de paz e com a pandemia, vieram à tona os problemas do dia a dia da população: mesmo com projeção de crescimento do PIB de 6,1% em 2022, a inflação está na faixa de 9% e o desemprego atinge 11,1%.
A vitória da esquerda na Colômbia dá, sem dúvidas, gás à esquerda no continente. A Colômbia viveu, no domingo (19), a eleição mais importante da região em 2022, depois da brasileira. A vitória de Petro, seguida de Boric e de Castillo, indica uma tendência no subcontinente. Mas cada país tem suas particularidades - problemas e dinâmicas domésticas que determinam o voto.
Em mensagem aos companheiros de trincheira política, Petro afirmou que a esquerda latino-americana precisa deixar de pensar apenas em justiça social e redistribuição de riqueza, além dos altos preços do petróleo, e passar a priorizar um continente produtivo e não extrativista. Isso significa deixar de ser dependente da exportação de commodities, cujos preços flutuam no mercado internacional.
Em seu discurso da vitória, também afirmou que pretende colocar a Colômbia à frente no mundo na luta contra as mudanças climáticas. Isso é música para os ouvidos de Washington. A Guerra na Ucrânia já mostrou que não dá mais para depender do petróleo e expôs a necessidade de se rever a matriz energética.
Mas não é só isso. Petro terá de formar um governo com todos os democratas e transformar a mobilização popular em projeto de governo. Sua margem na vitória é pequena - perto dos três pontos percentuais. Ele enfrentará uma oposição desunida, porém forte. Ainda que os partidos tradicionais estejam enfraquecidos - Partido Conservador, Partido Liberal e o Centro Democrático (uribismo de Álvaro Uribe e Iván Duque) ficaram de fora do segundo turno, mas ainda representam importantes bancadas no Congresso. E só pensam em duas coisas: infernizar o mandato de Petro e voltar ao poder em 2026, senão antes, por meio de impeachment, o método, que, embora dentro da Constituição, tem sido utilizado como ferramenta usual para despachar opositores do poder.
Nesse sentido, Rodolfo Hernández, o candidato da direita radical derrotado no domingo (19), conhecido como o "Trump tropical", deu exemplo. Reconheceu imediatamente o resultado das urnas e deu indícios de que não será oposição - num primeiro momento, ao menos, se colocou como colaborador do futuro governo. Uma curiosidade: na Colômbia, o segundo colocado na eleição, ganha automaticamente uma vaga no Senado.