Enquanto no Brasil a Lei de Acesso à Informação (LAI), que já foi uma das principais ferramentas a favor democracia, tem sido usada para acobertar eventuais responsabilidades de políticos, nos Estados Unidos a transparência serve para suturar as feridas de um dos episódios mais traumáticos da história recente americana.
Na quarta-feira (19), a Suprema Corte americana rejeitou o pedido do ex-presidente Donald Trump para bloquear a liberação de documentos da Casa Branca à comissão do Congresso que investiga a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Com a decisão, os textos, entre os quais possíveis provas contra Trump, podem ser liberados.
Sob a guarda do Arquivo Nacional, os mais de 50 documentos podem conter não apenas transcrições de telefonemas, trocas de mensagens, nas quais o presidente pode ser flagrado incentivando os apoiadores a invadir o parlamento, mas principalmente comprovações de sua falta de ação como comandante-em-chefe da nação no momento em que seus seguidores vandalizavam o Capitólio. A omissão, nesse caso, também significa responsabilidade.
Para tentar garantir o sigilo, Trump alegava "privilégio executivo", mas, depois de muito vaivém entre cortes de primeira instância e de apelações, o mais alto tribunal do país, por oito votos a um (do juiz conservador Clarence Thomas), decidiu que a alegação do ex-presidente não tinha base legal.
Não é a primeira vez que Trump tenta obstruir a Justiça. Quando estava no poder, vetou a entrega ao Congresso de um relatório que investigava a suspeita de que a Rússia teria interferido a seu favor na eleição de 2016. Em outra ocasião, ele já havia levantado a bandeira do "privilégio executivo" para buscar evitar que um de seus homens mais próximos, Steve Bannon, o arquiteto da candidatura de Trump e mentor da chamada "nova direita ou direita alternativa", testemunhasse - situação em que foi indiciado por desacato. Também impediu, em 2018, que senadores tivessem acesso a mais de 100 mil páginas de registros da época em que o juiz Brett Kavanaugh trabalhava para o governo George W. Bush. O magistrado era seu indicado para a Suprema Corte.
O episódio da invasão do Capitólio, no qual morreram cinco pessoas, foi o ápice de quatro anos tóxicos para a democracia americana, nos quais Trump buscou corroer por dentro as instituições, atacando a Justiça, o Legislativo e a imprensa. Não se reconstrói um país nem se reconcilia uma sociedade jogando a sujeira histórica para debaixo do tapete. No Brasil, para ficarmos em dois episódios recentes, o Exército decretou cem anos de sigilo sobre o processo interno que decidiu não aplicar nenhuma punição ao general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello pela participação em um ato político em 2021; em outro caso, no mesmo ano, o Itamaraty também decidiu estabelecer sigilo de um século sobre os documentos a respeito da libertação de um médico gaúcho detido no Egito após gravar um vídeo em que apareceu falando palavras de conotação sexual a uma vendedora.