O presidente Joe Biden completa nesta quinta-feira (20) um ano no comando dos Estados Unidos. A lua de mel que costuma caracterizar esse período foi há muito interrompida por aspectos externos e internos, que vão além da pandemia de coronavírus.
No campo internacional, onde Biden foi um experiente interlocutor de Barack Obama, ele vem cumprindo a missão a que se propôs de recolocar os Estados Unidos na liderança dos grandes debates mundiais - suas reuniões de cúpula, ainda que limitadas pelo aspecto virtual, de alguma forma serviram para amalgamar a comunidade internacional a cerca de temas fundamentais para o século 21, como as mudanças climáticas e a democracia. Os resultados práticos podem ser questionáveis, mas ao pautar o tema, de uma forma ou de outra, Biden já fez muito pelo mundo depois de quatro anos tóxicos de Donald Trump na Casa Branca.
Mas há constrangimentos - e dos grandes. A China é o principal rival dos Estados Unidos na disputa pela construção de uma nova ordem global que se anuncia, mas duas tensões pouco esperadas apareceram no horizonte. Primeiro a saída constrangedora das tropas americanas do Afeganistão e a retomada do poder em Cabul pelo Talibã - foi um pepino herdado de Trump, é verdade, mas faltou tato para Biden negociar uma retirada, no mínimo, mais honrosa para os EUA - já que a reocupação pela milícia fundamentalista era um fato dado como certo havia meses.
O segundo pepino é a provável guerra que se anuncia no Leste Europeu. A Rússia é o segundo grande adversário dos EUA (a ponto de Biden, ainda enquanto candidato ter chamado Vladimir Putin, o presidente russo, de assassino), mas uma tensão dessa envergadura na Ucrânia não era esperada no primeiro ano de mandato. Neste exato momento, há 100 mil militares russos na fronteira com a Ucrânia, prontos a invadir o país - e, como ocorreu com a Crimeia, não há muito o que os americanos fazerem a não ser observar de braços cruzados. Um movimento em falso e toda a Europa congela, sem o gás russo que os aquece.
Na arena doméstica, Biden, nesses 365 dias, fez deslanchar a vacinação contra a covid-19 tão logo assumiu. Mas seu empenho esbarra no negacionismo de muitos - herança do mal que Trump fez à sociedade americana, mas também um histórico de rejeição a vacinas, por questões ideológicas ou religiosas. Mesmo com doses sobrando, o país registra apenas 62,8% da população com as duas doses - o Brasil superou há meses esse percentual.
Nesse um ano, Biden não foi o grande articulador que se esperava no Congresso, mas talvez sem ele não se conseguisse a aprovação do pacote de alivio de US$ 1,9 trilhão de apoio a famílias pobres e em dificuldades em razão da pandemia. Também passou no Congresso a lei de infraestrutura, de US$ 1 trilhão, o maior investimento em obras públicas em mais de 20 anos.
Aos 12 meses de Casa Branca, a aprovação de Biden se aproxima do patamar de Trump. No site Real Clear Politics é possível medir a temperatura da popularidade do democrata. A pesquisa mais recente, da Rasmussen Reports, mostra 39% de aprovação, e 60% de desaprovação. No dia 13, Reuters/Ipsos informava 45% pró e 50% contra. O índice mais baixo foi apontado pela Universidade Quinnipiac (35% contra 54%), pesquisa que a Casa Branca questionou a metodologia. Economist/YouGov deram, em 12 de janeiro, 45% de apoio a Biden e 51% de rejeição.
Biden havia iniciado o governo, em 20 de janeiro, com 55,8% de aprovação. Já Trump, que assumira com 43,7%, chegava a esse período com 39,1% de apoio. Seu mandato foi encerrado com 41,1% de popularidade.
O fato é que os Estados Unidos seguem rachados ao meio, e muito é culpa de Trump. Unir o país é praticamente impossível. A narrativa de que a eleição de novembro de 2020 foi roubada, tema preferido por Trump em cada reunião com amigos e correligionários, mesmo que falsa, segue como um fantasma a rondar o Capitólio. E muitos membros do Partido Republicano caíram nesse conto.
Em 8 de novembro, haverá a eleição de meio de mandato (as Midterms, como dizem os americanos), e é muito provável que os republicanos retomem a maioria no Congresso, hoje com uma frágil vantagem dos democratas - na Câmara, 221 contra 213, e, no Senado, 50 a 50 (contando os independentes, que votam com o partido de Biden, mais o voto de minerva da vice-presidente, Kamala Harris). No pleito, serão renovadas todas as cadeiras da Câmara e um terço do Senado.
Com o Partido Republicano sequestrado por Trump, que segue sendo a figura ausente mais presente da política americana, há duas certezas: primeiro, o ex-presidente segue sendo candidatíssimo às eleições de 2024; segundo, Biden tem menos de 10 meses para construir o seu legado. Depois das Midterms, vai ficar muito difícil.