Gostemos ou não, Recep Tayyip Erdogan, o sultão turco, é imbatível nas urnas. A Turquia caminha para uma ditadura, é verdade. Mas é preciso admitir a popularidade de Erdogan, ainda que, desta vez, sua vitória tenha sido apertada. Não são desprezíveis os votos de 25,1 milhões de turcos (51,4% dos votantes) que deram mais poder ao presidente no referendo sobre uma profunda reforma na Constituição.
A vitória do "sim" permite, entre outras alterações, que o mandato de Erdogan seja de cinco e não mais quatro anos, que o presidente possa nomear quatro dos 13 juízes da Suprema Corte e, principalmente, extingue o cargo de primeiro-ministro - a Turquia deixa de ser regida pelo parlamentarismo e assume o presidencialismo.
O que desejam essas eleitores ao referendarem a atuação de um presidente que prendeu mais de 92 mil pessoas, entre juízes, promotores, professores e jornalistas, fechou mais de 160 veículos de comunicação e encerrou as atividades de 2,1 mil escolas e universidades desde o golpe de julho do ano passado? Um governo forte. Para eles, a melhor opção diante de um longo período de instabilidade política.
Caixa de ressonância da guerra na Síria e no Iraque, a Turquia reflete tudo o que acontece além de suas fronteiras: ecos de autoritarismo, invasão de refugiados e atentados terroristas que mataram, desde junho de 2015, mais de 500 pessoas - alguns dos ataques foram provocados pelo grupo Estado Islâmico, outros organizados por separatistas curdos.
Ao estilo chavista, Erdogan interpretou o golpe de Estado fracassado de 15 de julho do ano passado como uma forma de concentrar poder. Para isso, manipula a fé dos turcos: após quase cem anos de regime secular, busca apoio na religião, ao trazer para comícios aspectos da fé islâmica (discursos com referências ao Alcorão, por exemplo), além de agradar conservadores, com medidas como o aumento do imposto sobre o álcool.
Quem perde: os grupos políticos que apoiaram o “não”, como o CHP, Partido Republicano do Povo, e o HDP, Partido Democrático dos Povos, que reúnem importante a minoria curda e grupos de esquerda. Aliás, os curdos, que buscam a independência de parte do território, são os que mais podem perder com a vitória do governo. Com ânsia de esmagar os movimentos separatistas, Erdogan pode usar sua vitória como um sinal verde para massacrar essa população.
No contexto do que ocorre na Europa, a vitória de Erdogan é mais um capítulo da guinada conservadora no continente. A Leste e a Oeste.