Houve um tempo em que Rafael Correa era, com Evo Morales, o fruto mais genuíno do chavismo latino-americano. Na primeira década do século 21, Hugo Chávez, eleito pela primeira vez em 1998, estendia sua influência - e petrodólares - pela América Latina: além de Venezuela, Bolívia e Equador, partidos de esquerda haviam chegado ao poder no Brasil, com Luiz Inácio Lula da Silva, na Argentina, com Néstor Kirchner, e no Chile, com Michele Bachelet.
Correa e Morales formavam, com Chávez, o núcleo duro de uma suposta revolução, que livraria o subcontinente dos tentáculos do império americano - de fato, um dos primeiros atos dessa nova correlação de forças regional foi sepultar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), durante a 4 Cúpula das Américas, em 2005, em Mar del Plata.
Passados quase 20 anos de chavismo, que sobrevive em seu modelo in natura apenas na Venezuela, Correa deixou de ser filho dileto desse modelo. Tem vida própria. E, por isso, conseguiu eleger no domingo seu sucessor, Lenín Moreno.
No poder, viveu em pé de guerra com a imprensa, tentou se perpetuar na presidência (e conseguirá pelas mãos de Moreno), mas foi menos autoritário e belicoso do que Chávez e Nicolás Maduro.
É no plano econômico que as distâncias entre Quito e Caracas se estabelecem com maior clareza: durante seu mandato, Correa foi mais pragmático e, se não atirou-se nos braços do livre-comércio, também não perdeu oportunidades no exterior por conta da ideologia. Fechou, por exemplo, um acordo bilateral com a União Europeia, que já rende frutos - um aumento de exportações de 15%, que trouxe para o lado de cá do hemisfério mais de US$ 250 milhões.
Aliás, o bloco europeu tem pressa em fechar outros acordos do tipo, com o Mercosul, por exemplo, como informou à coluna uma fonte do governo alemão. Já se vão 18 anos de negociações com o bloco sul-americano, e a chancelaria alemã estabeleceu 2018 como prazo final para algo do tipo com Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Nem tudo está bem no Equador, é verdade. Nos últimos 10 anos, a pobreza diminuiu, a educação melhorou, mas a conta dos gastos sociais bate à porta. O PIB caiu 1,7% em 2016.
Enquanto outros países da América Latina deslocam-se para a direita, a esquerda sobrevive lá, como peça de resistência. A grosso modo, poderia ser comparado à China, que resguarda idiossincrasias políticas do comunismo, mas há anos está abraçada à economia de mercado. Ou, em uma versão sul-americana, o que vale é algo do tipo: "Hay que endurecer, pero no mucho".