O impacto dos atentados de 11 de setembro foram muito além dos 102 minutos entre o choque do primeiro avião e o desabamento do World Trade Center. Veja como aquela manhã afeta, 15 anos depois, a geopolítica mundial e o nosso dia a dia.
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POLÍTICA AMERICANA
Os atentados catapultaram um cambaleante George W. Bush, que ganhara a eleição no tapetão da Suprema Corte, para comandante-em-chefe da nação. O republicano viu nos escombros das torres gêmeas a oportunidade de concluir a tarefa iniciada por seu pai na Guerra do Golfo: desbancar Saddam Hussein do poder no Iraque e implantar, a fórceps, um regime pró-Ocidente no Golfo. Os EUA foram a duas guerras - no Iraque, com argumentos falsos -, Bush se reelegeu em 2004, mas saiu de cena em 2008. Veio a era Barack Obama. O democrata, que pregava o multilateralismo e a paz mundial, trouxe de volta da guerra os filhos dos americanos e a cabeça de Osama Bin Laden. Após dois mandatos, deixa um legado de coerência, enquanto os republicanos vivem o drama de não ter um candidato forte - Donald Trump não é o político dos sonhos do partido e sua popularidade abastece-se de promessas anti-imigrantes e xenófobas - o fruto mais visível semeado pelos atentados de 2001.
Nos vídeos abaixo, gravados 10 anos depois dos ataques, os preparativos para as homenagens às vítimas dos atentados de 11 de setembro em Nova York:
ATAQUES NA EUROPA
Madri, 11 de março de 2004. Londres, 7 de julho de 2005. Embora o ódio de Bin Laden se voltasse principalmente aos EUA, a Europa descobriu nessas datas que o terrorismo também era problema seu. Mais do que matar na estação de Atocha ou no metrô britânico, os atentados botaram em xeque a política de fronteiras abertas da União Europeia e o Espaço Schengen. Vieram o horror em Paris, Nice, Bruxelas, Munique, e o continente veria que os terroristas não chegavam de fora: os ataques partiam de jovens nascidos e criados em suas periferias, seduzidos pelo canto do Estado Islâmico e pelo desencanto de não se sentirem integrados às promessas de bem-estar social. Após 15 anos do 11 de Setembro, os europeus estão mais vulneráveis a um atentado do que os EUA. E o turismo já sofre consequências.
DA AL-QAEDA AO EI
Heroica ou não, a controversa batalha que culminou na morte de Bin Laden no Paquistão, em 2011, abalou as estruturas da Al-Qaeda. Desarticulada, com recursos escassos e entocada em montanhas, a organização que inaugurou o “terrorismo 2.0” era atropelada pela velocidade dos novos tempos. Tinha exportado know-how. Dos frangalhos do antigo regime de Saddam Hussein, herdeiros de Bin Laden aproveitaram o caos do Iraque pós-guerra e o conflito na Síria para erigir um grupo ainda mais cruel: o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, ou simplesmente Estado Islâmico (EI). Seu fundador, Abu Bakr al-Baghdadi sonhava em reerguer o poderoso califado da Idade Média entre Aleppo e Mossul. No auge, o EI ocupou um território do tamanho do Reino Unido, subjugou populações e conseguiu atrair contra si Arábia Saudita e Irã, inimigos regionais. Seus métodos de decapitação de reféns são tão cruéis que levaram a Al-Qaeda a romper com o EI.
Para entender o Estado Islâmico (1): o horror que nasceu da Al-Qaeda
Para entender o Estado Islâmico (2): prisões como especialização do terror
Para entender o Estado Islâmico (3): o encontro com Bin Laden
Para entender o Estado Islâmico (4): o primeiro brasileiro vítima do terror
Para entender o Estado Islâmico (5): mais cruel do que a Al-Qaeda
Para entender o Estado Islâmico (final): cai a fronteira, nasce o califado
MIDIATIZAÇÃO DO TERROR
Reféns com macacões laranja, a exemplo dos presos muçulmanos na prisão americana de Guantánamo, ajoelhados diante dos algozes de faca na mão, no deserto. Câmeras profissionais para captar, em HD, o espetáculo da morte. Ao contrário da Al-Qaeda, que estagnou pessoas em frente à TV desde que o primeiro jato atingiu a Torre Norte no 11 de Setembro, o EI não usa veículos de comunicação de massa. Cada decapitação obedece à lógica do YouTube. Não é mais preciso viajar a campos de treinamento terroristas. Qualquer um que se identifique com a causa pode se tornar, em qualquer lugar, um simpatizante do EI. Basta um smartphone.
VIAJANDO COM MEDO
Ao usar aviões como mísseis na manhã de 11 de setembro de 2001, a Al-Qaeda materializou, com gigantismo, o conceito militar da guerra assimétrica - o inimigo utiliza objetos domésticos, uma caneta, um carro ou um avião como arma. A reação imediata aos atentados nos EUA foi reforçar a segurança em aeroportos. Embarcar em um voo internacional se tornou uma maratona de tira sapato, coloca sapato, tira cinto, coloca cinto, e até um scanner de corpo foi inventado. Ficamos nus, mas nos acostumamos. O ataque ao Bataclan, na França, em 2015, nos lembraria que o perigo não está só nos aviões: podemos estar vulneráveis na sala de teatro de Paris, no shopping de Munique ou em frente ao mar, em uma tranquila praia da riviera francesa.
BRASIL COMO ALVO
Tornados? Temos. Furacão? Temos. Terrorismo? Também temos. Antes distante de grandes temas mundiais, o Brasil não passou incólume à discussão. Após o 11 de Setembro, a Tríplice Fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina tornou-se foco de agentes da CIA em busca das chamadas células adormecidas de extremistas. Na fronteira de Foz do Iguaçu, narcotráfico, contrabando de armas e produtos eletrônicos, próximos a uma extensa comunidade árabe, eram, na visão americana, um ninho perfeito para gestação de terroristas. Há comprovados canais entre a Tríplice Fronteira e o Hezbollah libanês, mas ações extremistas nunca se confirmaram ali. Mais reais - e perigosas - são as ações de organizações que se identificam com a causa do Estado Islâmico. Duas semanas antes da Olimpíada, a Polícia Federal desarticulou, em 10 Estados, um grupo que estaria planejando atentados durante a competição. Pela primeira vez, um indício real de que o Brasil está no mapa do terror.
Se achávamos que terrorismo era um assunto distante, acabou a inocência
ESPIONAGEM ENTRE AMIGOS
A espionagem alcançou nível global. A Agência de Segurança Nacional americana (NSA) coletou informações de chamadas telefônicas, serviços de bate-papo, vídeos, senhas e e-mails de americanos e estrangeiros. Colocou em dúvida gigantes como Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, Apple, Skype. A operação teve aval do Congresso e da Casa Branca. Como grande parte dos provedores passa pelos EUA, o mundo ficou refém. O Brasil, com extensas redes digitalizadas, operadas por grandes companhias, era alvo prioritário - inclusive a Petrobras e a então presidente Dilma Rousseff.
O incidente azedou as relações antes amistosas com Barack Obama.
GUINADA À DIREITA
Crise do euro, desemprego, partidos tradicionais desacreditados e a maior onda de refugiados desde a II Guerra - fugitivos de conflitos na Ásia e no Oriente Médio - são, em diferentes graus, ingredientes de uma forte guinada política conservadora na Europa. Na França, a Frente Nacional, de extrema direita e com discurso anti-imigração, tornou-se o partido mais popular. Na Polônia, a sigla populista Lei e Justiça tem maioria absoluta no parlamento. Na Suíça, surgiu como força nas eleições de 2015 o Partido do Povo Suíço, legenda de ultradireita xenófoba que prega a proibição de construir novas torres de mesquitas. Na Dinamarca e na Finlândia, partidos ultranacionalistas já são a segunda força política.
TURQUIA, FIEL DA BALANÇA
A soma das guerras na Síria e no Iraque com a turbulência na Turquia resulta em problemas a todos. Assim, o Ocidente vê o país que, neste ano, viveu uma tentativa de golpe de Estado, sufocado pela mão de ferro do presidente Recep Erdogan. A Turquia é importante pela localização geográfica, entreposto entre Europa e Ásia. Também por ser membro de peso na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), local em que os EUA mantêm sua principal base militar na região, Incirlik, de onde partem os aviões que atacam o EI. A Turquia é caixa de ressonância para o planeta da crise no Oriente Médio. Ao extrapolar as fronteiras, os conflitos reacenderam a crise entre o governo e os curdos do PKK e tornaram o país um alvo para os militantes que se autodenominam EI.
TERRORISMO MIGRANTE
Nos últimos 15 anos, o centro geopolítico do terrorismo mudou. Herança da Guerra Fria, o Afeganistão e o Paquistão atraíram centenas de milhares de muçulmanos na guerra santa contra a URSS. O conflito deu origem ao Talibã, que um dia abrigou a Al-Qaeda. Hoje, a Ásia Central deixou de ser o epicentro do terror - o talibã está desarticulado. Novos membros da Al-Qaeda se mimetizaram ao Estado Islâmico e migraram para “filiais” na Somália (Al-Shabah), na Nigéria (Boko Haram), no Iêmen, na Síria e no Iraque (EI). O terrorismo chegou à maioridade. E voltou para casa.
VELHA/NOVA GUERRA FRIA
Obama e Vladimir Putin jogam no tabuleiro da crise Síria sua nova fase de Guerra Fria. EUA e Rússia têm um inimigo comum - o EI -, mas os interesses geopolíticos e a desconfiança emperram o diálogo. Os países fazem ataques aéreos na Síria contra os extremistas, mas discordam sobre o futuro do ditador Bashar al-Assad, que, no plano interno, massacra a população, com apoio da Rússia. Com a aproximação entre EUA e Irã, a Rússia joga na Síria uma das suas últimas cartadas por influência no Oriente Médio.