
Toda vez que o Brasil lidou com uma tentativa de golpe — ou com as marcas de um golpe bem-sucedido —, a resposta foi a mesma: o velho teatrinho da conciliação. Firmava-se um acordo silencioso entre as elites, os militares, parte da imprensa e do Judiciário, e assim o país perdoava os golpistas em nome da estabilidade institucional. Hora de "virar a página", costumavam dizer.
Agora, não. O projeto de anistia que tramita no Congresso não vira a página — ele arranca a folha do livro e esfrega na cara do Supremo, como se perguntasse: quem vocês pensam que são? Não existe apelo à pacificação, ao equilíbrio democrático, à harmonia entre adversários. Pela primeira vez, o perdão aos conspiradores vem do desejo de revanche. A ideia não é encerrar um conflito, mas reacendê-lo.
O velho discurso conciliador carregava um cinismo estratégico, é verdade — e foi justamente essa hipocrisia que alimentou uma cultura de impunidade, fundamental para perpetuar nossa tradição golpista. Mas havia, pelo menos, uma certa encenação civilizatória. Fingia-se que o perdão era um gesto nobre, e isso acabava gerando algum efeito positivo: as tensões se aplacavam, os discursos se desarmavam e o país ganhava tempo para se reorganizar.
A anistia que buscam agora é diferente — ela incendeia o ambiente, aprofunda rupturas e inaugura o perdão como instrumento de ataque. Porque a meta é enfraquecer o Supremo. Só que esse jogo de força começa a desalinhar os papéis da democracia: em vez de legislar para proteger a Constituição, o Congresso quer desfazer as consequências de uma afronta contra ela. Invade o terreno do Judiciário não para corrigi-lo, mas para desautorizá-lo. O resultado é um sistema que perde coerência, perde autoridade e, pouco a pouco, vai perdendo o sentido.
Uma anistia, por exemplo, que antes servia para encerrar uma crise, agora normaliza o conflito como método. Se até um gesto que nasceu para apaziguar passa a ser usado como arma, então não estamos diante de uma trégua adiada — mas de um país que se habituou com a guerra. Ainda há tempo. Só que a paz, agora, só virá se criarmos um novo caminho até ela.