A desaforada tinta amarela que escorria sobre as cabeças de Mario Quintana e Carlos Drummond de Andrade, emporcalhando o monumento em homenagem à Feira do Livro, na manhã desta quarta-feira (20), fez a população de Porto Alegre se sentir golpeada. Indignados com o vandalismo, pedestres que passavam pela Praça da Alfândega enviaram fotos à Redação de GZH, quase sempre com a mesma pergunta:
– O que leva alguém a fazer isso?
A revolta – e a pronta resposta da prefeitura, com direito a força-tarefa para identificar os autores – tem uma explicação óbvia. Talvez não exista na Capital outro monumento tão presente na interação das pessoas com a paisagem urbana. A população se habituou a brincar com a escultura, a abraçá-la, a sorrir com ela, a tirar fotos. São raras as obras que desfrutam de tamanha simpatia no espaço público. Por quê? Porque a arte, neste caso, está perto dos olhos. É fácil apreciá-la assim.
O Laçador, por exemplo, estátua mais importante do Estado, se mantém escondido num ponto inacessível para pedestres. Quem entra de carro na cidade enxerga o Laçador de longe, pequeninho, lá do outro lado da pista. E quem sai da cidade vê a estátua de costas. O Laçador não recepciona mais ninguém, não empolga, não chama atenção.
Bem diferente do Monumento à Literatura. Inaugurada em 2001, a escultura de Xico Stockinger e Eloísa Tregnago apresenta Drummond em pé, compenetrado, lendo um livro sob o olhar atento de Quintana – o gaúcho aparece sentado, à vontade, em um dos bancos da movimentada praça do Centro Histórico. A cumplicidade entre os dois amigos leva ternura à correria da região.
Mas o livro que Drummond lê, como a coluna mostrou algumas vezes, já havia sido arrancado em outro ato de vandalismo. Há exatamente um ano, a Secretaria Municipal de Cultura prometeu uma solução para repor a peça de bronze, mas, até hoje, as mãos do escritor mineiro ainda seguram o vazio. Vira e mexe recebo e-mails de leitores irritados com o prolongado sumiço.
Quer dizer: esse é um monumento com o qual a população se importa. Se por um lado doeu vê-lo imundo de tinta amarela, por outro foi bonita a mobilização (dos cidadãos e do poder público) para recuperá-lo em poucas horas. Porque aquela obra faz parte do cotidiano, da paisagem, da vida social da cidade. Quando a arte está acessível, é bem mais fácil valorizá-la.