Em 2012, aos 81 anos de idade, uma senhora chamada Cecilia Giménez chamou a atenção do mundo quando tentou restaurar um afresco do artista Elías García Martínez, pintado um século antes em uma igreja de Zaragoza, na Espanha. Sem qualquer apuro técnico, ela fez uma lambança e acabou destruindo a obra: o rosto de Jesus Cristo agora parecia uma coruja com torcicolo. Ficou horrível.
Ninguém duvidou das boas intenções de Cecilia, claro – ela queria o melhor para sua paróquia –, mas qualquer pessoa corre o risco de causar estragos quando acredita que pode tudo. Na cabeça simplória da simpática beata, restaurar uma obra antiga talvez fosse até mais fácil do que pintar os quadrinhos que ela fazia em casa. Não era. Faltou-lhe a humildade de reconhecer as próprias limitações diante da complexidade da tarefa.
Dez anos depois, em Porto Alegre, a prefeitura é autuada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Motivo: decidiu recobrir com asfalto o piso original de um trecho da Avenida Padre Tomé – o charmoso bulevar de pedra granito que termina em frente à Igreja Nossa Senhora das Dores.
Como aquela é uma área tombada, com importância cultural reconhecida nacionalmente, o órgão federal entendeu que o asfaltamento era irregular e mandou suspender os trabalhos. Afinal, o Iphan precisa ser sempre consultado antes dessas intervenções no patrimônio histórico. Por quê? Ora, porque o Iphan é que entende do assunto.
No ano passado, para pegar outro exemplo, a prefeitura resolveu pintar parte da fachada do Paço Municipal com um laranja que lembrava um táxi. Obviamente, não era o tom original do prédio – que também é tombado – e ninguém pediu autorização ao órgão responsável. Resultado: ficou feio, embora as intenções da prefeitura fossem boas.
Aliás, ninguém pode negar o empenho do prefeito Sebastião Melo em recuperar o Centro Histórico. Mas, no afã de cumprir essa meta, houve outro escorregão seis meses atrás: usaram uma tinta cinza para cobrir as pichações do viaduto da Borges – outra construção tombada – e o Ministério Público precisou interceder. Porque o material que reveste o viaduto, segundo especialistas em patrimônio, poderia ter sido danificado ao receber aquele tipo de pintura.
Quer dizer: por mais bem-intencionada que seja, qualquer pessoa pode fazer uma lambança quando se acha capaz de resolver tudo sozinha. Ou reconhecemos nossas limitações, consultando com humildade quem realmente conhece a tarefa, ou serão inevitáveis as corujas com torcicolo. Que a prefeitura retire logo o asfalto da Padre Tomé.