
"Eu te amo, kkkk"
Como assim, kkkk? Qual é a graça? O cara passa duas semanas pensando no que dizer, abre o coração para ela, escreve três parágrafos de absoluta intensidade afetiva, com cada palavrinha revisada 10 ou 12 vezes, mal dorme durante a noite porque aguarda a resposta da mulher mais espetacular que já conheceu em 32 anos de vida, e a resposta dela vem assim, com uma única frase, primeiro um "eu te amo", o que parece ótimo, e depois aquela vírgula seguida de um imbecilizado kkkk.
Como pode alguém dizer que ama uma pessoa - justamente na primeira vez em que diz isso para essa pessoa -, pendurando um kkkk na mesma frase? Não tem cabimento. Ainda mais para ele, que sempre achou bem claros os significados de cada risada. Hahaha, por exemplo, não passa de um sorrisinho de canto de boca, bem diferente do HAHAHA, em caixa alta, que é quando a coisa começa a ficar engraçada, mas não tão engraçada a ponto de merecer um HUAEHAUEHAUE.
E deu, acabaram-se as risadas.
Há variações, claro, entre elas o kkkk, que ele sempre considerou a coisa mais vulgar, chumbrega e pobre de espírito da história da humanidade virtual. Primeiro, porque não quer dizer absolutamente nada; ninguém, ao gargalhar na vida real, produz o som "cá, cá, cá, cá" - e, no improvável caso de alguém produzi-lo, talvez o melhor a fazer seja chamar a emergência. Segundo, porque denota uma preguiça quase ofensiva: sem ânimo para teclar o H, depois o A, o H de novo, outra vez o A, o molengão fica segurando o K, como se o interlocutor não percebesse a estratégia fraudulenta do vigarista que, na verdade, não está rindo de porcaria nenhuma.
Um parêntese: essas opiniões são todas dele, não minhas.
E agora a Paula, que nunca nesses dois meses havia soltado um kkkk, até porque ele dificilmente se relacionaria com uma adepta do kkkk, escreve essa estultice logo quando o Júlio decide se abrir, pedi-la em namoro da forma mais gentil e sincera que pôde. Não foi fácil para ele. É um cara retraído - não com os amigos nem com as mulheres, nada disso: seus entraves afloram quando é preciso se expor, verbalizar sentimentos, dizer que gosta de verdade. Por isso recorreu ao WhatsApp e lá escreveu os três parágrafos. Disse tudo, só não disse que a amava, achou que fosse um pouco cedo.
Paula disse. Quando acabou de ler a mensagem do Júlio, sentiu-se invadida por um misto de alegria e nervosismo, um sorvedouro de sensações meio novas, escreveu que o amava, apagou a frase, escreveu de novo, quase se arrependeu, botou um kkkk no final e enviou daquele jeito.
Agora está lá, deitada na cama, esperando a resposta e pensando que exagerou:
- Por que fui me expor tanto?
*O colunista Paulo Sant'Ana, titular desta seção, encontra-se em tratamento de saúde.