A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou por unanimidade a denúncia da Procuradoria-geral da República (PRG) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados. Bolsonaro, militares de alta patente ex-ministros, transformados em réus, serão julgados por formação de organização criminosa com o objetivo de perpetrar um golpe de Estado e anular a eleição presidencial de 2022. É a partir deste momento, também pelo caráter histórico do caso, que se requer maior temperança das instituições, como da própria Corte, atores políticos e da sociedade.
Bolsonaro e ex-coladoradores serão julgados por formação de organização criminosa com o objetivo de perpetrar um golpe
Ingressa-se na fase mais decisiva, voltada a esclarecer definitivamente as responsabilidades individuais e a sequência de acontecimentos destinados a executar o mais grave delito contra uma democracia, cuja última investida se materializou nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Ao menos parece que ficaram para trás os esforços para negar a urdidura de uma ruptura. Na terça-feira, quando os ministros da Primeira Turma analisaram questões preliminares, os advogados de defesa se esmeraram em refutar a participação de seus clientes na trama, mas não em desmentir a existência da maquinação.
O que os ministros analisaram ontem foi a materialidade e os indícios de autoria. Ou seja, comprovou-se a ocorrência de crime e de evidências da participação dos acusados nos acontecimentos. Agora, com a ação penal aberta, PGR e defesas apresentam provas, convocam testemunhas e debatem teses, até que a Primeira Turma julgue o mérito e condene ou absolva. Nesta etapa devem ser asseguradas aos réus todas as salvaguardas previstas em lei, como os direitos à ampla defesa e ao contraditório, para que tenham plenas condições de rebater as acusações. Também tornaram-se réus Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens da Presidência), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e da Casa Civil).
Diante da danosa politização de temas jurídicos no país, cabe ao STF a obstinada observação da lei. Todo o zelo é necessário para que sejam evitados erros pretéritos, como os cometidos ao longo da Lava-Jato. Parcela da sociedade vê o STF como parte da polarização social que racha o país. Convém aos ministros redobrar cuidados para evitar que versões sobre parcialidade prosperem. É um equilíbrio que deve ser aplicado não apenas a esse caso, mas a outros paralelos, como o da cabeleireira Débora dos Santos, participante da intentona de 8 de janeiro e que pichou com batom a estátua A Justiça, em frente ao STF, com a inscrição “Perdeu, mané”. Há dois votos por sua condenação a 14 anos de prisão. Apesar de ser acusada de cinco crimes, o exagero salta aos olhos. A própria Corte tem a oportunidade de corrigir o despropósito. Fazer justiça também significa medir a participação e o peso individual nos crimes cometidos.
Bem mais graves são os delitos dos que lideraram a conspirata pela derrubada da democracia e, mesmo que ainda seja preciso provar a culpa formalmente, passaram meses a fio ameaçando abertamente que chegaria o dia do golpe.