Requer grande atenção dos gaúchos e de seus representantes políticos a bomba-relógio do endividamento dos agricultores e de empresas da cadeia do agronegócio em virtude de uma sequência insólita de anos com adversidades climáticas. A safra de verão 2024/2025 no Estado será a quinta, em um intervalo de seis anos, afetada por estiagens de diferentes magnitudes. No último ciclo, a falta de chuva não chegou à gravidade das anteriores, mas a enchente de maio se encarregou de espalhar ainda mais prejuízos pela destruição de um grande número de propriedades nas regiões mais atingidas. Se soma a esse quadro de catástrofes a conjuntura formada pela queda dos preços de commodities como a soja, a partir do pico das cotações em meados de 2022, pela alta de custos de produção e, agora, pelo juro extorsivo.
O resultado dessa sucessão de frustrações de safras pode ser uma crise social de grandes proporções no interior gaúcho
Submerge em crise qualquer atividade econômica que em seis anos acabe por gerar em cinco deles uma renda aquém ou muito abaixo da estimada, após elevados gastos com a formação de lavouras e investimentos. Ao contrário do Brasil central das grandes extensões de terra, a agricultura no Rio Grande do Sul é exercida principalmente em médias e pequenas propriedades, muitas delas familiares.
O resultado dessa sucessão de frustrações de safras pode ser uma crise social de grandes proporções no interior gaúcho pelo acúmulo de dívidas que, ano a ano, acabam por não ser honradas. É uma bola de neve que se avoluma não por qualquer incompetência ou índole má pagadora, mas pela pura e simples inexistência de faturamento suficiente para cumprir os compromissos. A falta de renda no campo se reflete nos negócios urbanos das regiões agrícolas, propagando dificuldades para o comércio, o setor de serviços e a indústria.
Conforme a Federação da Agricultura do Estado (Farsul), entre 2020 e 2024 o prejuízo dos agricultores soma R$ 117,8 bilhões. Isso só da porteira para dentro. Considerando-se toda a cadeia do agronegócio e os tributos que deixaram de ser recolhidos, a cifra sobe para R$ 319,1 bilhões. Dados compilados pela consultoria RGF&Associados indicam que, apenas no quarto trimestre de 2024, pediram recuperação judicial 50 companhias ligadas ao setor no Estado, alta de mais de 500% em um ano. Na média brasileira, o crescimento foi de 40%. A maior parte das empresas em apuros é ligada à soja.
Teve início, nas últimas semanas, um movimento para apresentar um projeto de lei para a securitização das dívidas acumuladas de produtores, cooperativas e agroindústrias afetadas por eventos climáticos. É algo semelhante ao que foi obtido 1995. O PL foi protocolado pelo senador Luis Carlos Heinze (Progressistas). Propõe a unificação dos passivos de cada pessoa física ou jurídica, com prazo de 20 anos para quitação, três anos de carência e juro de 1% a 3% ao ano. As dívidas seriam convertidas em títulos lastreados pelo Tesouro Nacional até o teto de R$ 60 bilhões. Trata-se de uma iniciativa ousada, mas complexa e de intrincada viabilização política. O fato é que dificuldades extraordinárias também exigem soluções excepcionais. A omissão, ao contrário, pode levar à ruína milhares de produtores de alimentos. Ao mesmo tempo, segue sem resposta adequada o que será feito para, no futuro, o Rio Grande do Sul sofrer menos com as recorrentes estiagens.