Apenas ingênuos ou esquecidos se surpreenderam com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quarta-feira, queixando-se de que o Ibama estaria demorando a autorizar a Petrobras a iniciar pesquisas sobre a viabilidade da produção de petróleo na Margem Equatorial, nas proximidades da foz do Amazonas. O presidente que em entrevista a uma rádio do Amapá chamou de “lenga-lenga” o trabalho do órgão ambiental é o mesmo que, em 2010, afirmou que “o país não pode ficar a serviço de uma perereca”. Referia-se, então, à paralisação das obras da BR-101, em Osório, devido à avaliação sobre risco à sobrevivência de uma espécie de anfíbio por causa do projeto de duplicação da rodovia. Também é o mesmo de 2007, revoltado com parecer do Ibama sobre as hidrelétricas do Rio Madeira, no Norte, que alertava para a possibilidade de desaparecimento de um peixe de grande valor para ribeirinhos. “Agora não pode por causa do bagre”, reclamou.
A discussão entre ganhos econômicos, riscos ambientais e as incoerências do governo é legítima e necessária
Lula nunca foi um ambientalista convicto, embora tenha explorado bastante o tema na última eleição. A gestão da área por seu governo também não é comparável à administração Jair Bolsonaro, que chegava a ser incentivadora de ações predatórias. Mas a grande prioridade para Lula sempre foi tocar grandes projetos, colocando à frente as vantagens econômicas e políticas. Basta lembrar que Marina Silva, outra vez no Meio Ambiente, pediu demissão no governo Lula 2, após grandes embates internos, em especial com a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, por divergências sobre obras como as usinas na Amazônia.
À época, é verdade, não existia tamanha preocupação com as mudanças climáticas. O debate sobre transição energética era bastante incipiente se comparado a hoje. Agora, devido à relevância da pauta, aos compromissos ambientais assumidos pelo país, ao discurso oficial do governo e ao fato de o Brasil ser sede neste ano da COP30, alguém poderia esperar que, na hora de arbitrar, o presidente penderia mais para a agenda verde. O caso da foz do Amazonas seria simbólico, por envolver produção de petróleo em uma região sensível em termos ambientais.
Confirmou-se, no entanto, que na fricção entre as contradições e conveniências, o cálculo dos benefícios econômicos e a necessidade de firmar pontes políticas prevaleceram. Pragmático, com base frágil e de olho na rede de apoios em 2026, Lula não contrariaria os interesses de figuras influentes como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do União do Amapá, Estado diretamente interessado na exploração do petróleo. Ao Ibama, órgão de Estado, e não “do governo”, como mal colocou Lula, cabe decidir a partir de critérios técnicos, científicos e legais, sem atropelos.
A discussão sobre ganhos econômicos de mais curto prazo, os riscos ambientais e as incoerências do governo é legítima, necessária e merece aprofundamento. Ainda assim, não é banal explicar à comunidade internacional preocupada com uma área tão importante para o clima do planeta a contradição de uma gestão que se arvora ao papel de liderança global no enfrentamento às mudanças climáticas e não abre mão de explorar mais combustíveis fósseis.