A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas por tentativa de golpe de Estado cumpre um passo relevante para a elucidação da sequência de acontecimentos voltada a anular a eleição de 2022 e que culminou na intentona de 8 de janeiro de 2023. A gravidade das condutas descritas exige uma busca incansável e disciplinada pela verdade e pela justiça. Fazer justiça, convém lembrar, também inclui possíveis arquivamentos em favor de determinados implicados por falta de provas ou mesmo a conclusão pela inocência de acusados, ao fim do julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF).
A gravidade das condutas descritas pela PGR exige uma busca incansável e disciplinada pela verdade e pela justiça
Os principais pontos da peça elaborada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, colocam Bolsonaro como líder de uma organização que operou para reverter à força o resultado do pleito presidencial. Os atos imputados ao ex-presidente incluem o comando de um processo de descredibilização das urnas eletrônicas com o uso de desinformação, a edição de documentos que dariam verniz legal a uma ruptura, a anuência ao monitoramento e a um plano para assassinar autoridades, o assédio constante para que as Forças Armadas tomassem parte da insurreição e o apoio aos acampamentos golpistas. Formam uma acusação seríssima.
Muito do narrado pelo procurador-geral é constituído por episódios públicos, ocorridos à luz do dia e à época apontados como condutas que sugeriam uma ofensiva contra a ordem institucional. Para Bolsonaro, eram investidas resguardadas pelas "quatro linhas da Constituição", como costumava repetir, em uma interpretação peculiar da Carta. Para a PGR, todas as linhas foram rompidas. Mas é necessário ter cautela. Ainda há boa distância para afirmar que são crimes provados, apesar dos indícios existentes e testemunhos sobre planejamentos e ações executadas.
O próximo passo é a análise pelo STF. Os alvos das denúncias aceitas pela Corte tornam-se réus em um processo penal e então se inicia a fase em que devem ser assegurados aos acusados a ampla defesa, o direito ao contraditório e o devido processo legal. É quando as linhas da Constituição precisam ser rigorosamente observadas.
Trata-se de um caso rumoroso e histórico por envolver um ex-presidente com inabalável apoio de parte da sociedade e militares que ocuparam altos postos nas Forças Armadas e no governo. Se as responsabilidades restarem comprovadas, não há alternativa a não ser as penas previstas na lei. Servirão ainda de exemplo para dissuadir qualquer ideia de violentar a democracia no futuro.
Aos brasileiros, deve ser passada a mensagem da serenidade e da confiança nas instituições. Destas, exige-se todo o cuidado para evitar atropelos que possam ser interpretados como parcialidade. Erros do passado precisam ser evitados.
A democracia do país amadurece, assim como a sociedade brasileira. O presidente Luiz Inácio da Silva, outra figura de grande apelo popular, também passou por um processo que resultou em sua prisão por 580 dias. Apesar da comoção de apoiadores, nenhuma agitação social grave irrompeu. Assim deve ser outra vez, com a manutenção da ordem e do respeito à Constituição, à espera de um desfecho que, seja qual for, não deve deixar dúvidas sobre a sua correção.