Introspectivo, rechonchudo e escondido atrás de óculos redondinhos amarelo-xixi, o Caue Fonseca não era uma criança das mais populares no grupo que interessava – o das outras crianças. Por isso me marcaram tanto aqueles poucos dias em que foi diferente: o veraneio de 1990, em Torres. Eu era um fedelho de oito anos. Porém, feliz proprietário de um Master System.
Quando deparo com reportagens sobre xeques planejando sediar uma Copa em um país desértico em que a cidade da final nem existe ainda, penso no meu Master System.
Para quem é jovem ou velho demais para saber: lançado no Brasil para vender como pão quente no Natal de 1989, o Master System era um videogame tão legal, que nem era chamado desse nome. Videogames, à época, eram aqueles caixotes com controles de varetas cujos jogos eram formas geométricas se movimentando na tela. Era preciso bastante imaginação para simular corridas, batalhas de aviões ou o que fosse. No Master System, não. No Master System havia mesmo um boneco surfista rasgando ondas no jogo de surfe, atletas fardados com hino e tudo no jogo de futebol. Era demais.
Tão demais, que eu preferia ser separado de uma perna do que do meu brinquedo novo quando a família alugou um apartamento na praia para passar o verão seguinte. Dias depois, na piscina apertada do condomínio, um dos guris comentou com os vizinhos sobre uma videolocadora próxima onde era possível jogar Master System por apenas 10 cruzados novos a hora. Venci a timidez e comentei que, bem, eu tinha um desses a poucos andares.
Do dia para a noite, o guri dos óculos de xixi se tornou a pessoa mais popular do prédio. Embora estivesse adorando a muvuca, eu era meio inexperiente nesse negócio de ter amigos. Com a sala do apartamento atrolhada de pirralhos dos sete aos 14 anos vidrados na TV, passei a oferecer biscoitos recheados e pizza descongelada. Ventilador e refrigerante. O que fosse necessário para tornar ainda mais aprazível a jogatina daquela gurizada com cheiro de protetor solar. Muito raramente, ouvia de volta:
– Valeu, Cauã!
Não era esse o meu nome, mas meus novos amigos eram assim mesmo, meio avoados. Não me importava também em ter acesso restrito ao meu próprio videogame. Só sentia um pouco de saudade. Mas minha mãe, sim, começou a se importar com aquilo. Ficou especialmente incomodada quando um dia eu emprestei o videogame
à noite para um tal de Douglas.
Ou Rafael?
É dessa história da época do Plano Collor que me lembro quando leio sobre a próxima Copa do Mundo, no Catar. Quando deparo com reportagens como a do caderno DOC deste domingo, sobre xeques planejando sediar uma Copa em um país desértico do tamanho de Porto Alegre em que a cidade da final nem existe ainda, penso no meu Master System. Penso na Copa, um dos brinquedos mais bacanas já inventados pela humanidade, capaz de atrair todos os povos, na casa de um moleque sem amigos, pagando refrigerante com petrodólares da mesada para gente que mal sabe que ele existe.
Porém, a única semelhança entre a Fifa e a minha mãe é a primeira letra. Se a Fifa encheu os bolsos e passou a mão na cabeça do filho riquinho, a dona Fátima, para meu desespero, recolheu o videogame pelo resto do veraneio. Como a notícia se espalhou mais rápido do que um Mbappé, nenhum dos meus amigos de praia voltou ao apartamento, por mais borbulhantes que fossem meus refrigerantes. Já o Master System reapareceu instalado na sala de casa, em Caxias do Sul, quase no início do ano letivo. É o meu desejo para a Copa do Mundo: que ela reaparecesse magicamente em uma sede mais legal. Pena ter de esperar até 2026.