O primeiro-ministro islandês renunciou diante da notícia de que possui contas em paraísos fiscais. Deve ser bem complicado ser um charlatão na Islândia. No Brasil, um correntista suíço preside a Câmara e comanda o impeachment contra a presidente enquanto metade dos membros da comissão especial que analisa o tema responde a processos criminais. De positivo em toda a confusão, só o crescente interesse da cidadania pela política. Reside nesse envolvimento, aliás, a melhor possibilidade para o Brasil superar a crise.
Chegamos ao ponto em que só há três coisas piores que o governo Dilma. A primeira, é um processo de impeachment liderado por mafiosos; a segunda, o que ocorrerá com o país caso a presidente seja afastada; a terceira, o que ocorrerá caso ela não seja.
Não se deve perdoar uma nação que reconhece autoridade em notórios ladinos; nem um partido que se lembra das garantias só quando a polícia bate à porta de seus líderes. O processo de impeachment tem oferecido palco privilegiado aos intrujões no Congresso. Paulo Maluf, por exemplo, declarou que irá votar contra Dilma porque não aguenta mais a corrupção. Seria engraçado não houvesse na serenidade de seu rosto um retrato do que o futuro ainda pode nos brindar em cinismo e vergonha. A verdade é que PT e Maluf se merecem e foi exatamente com o PP que o PT selou sua mais importante aliança na semana que passou.
Caso Dilma caia, Temer fará um ajuste ainda mais impiedoso e antipopular do que aquele em curso. Com a diferença de que a) não terá a legitimidade dos presidentes eleitos e b) ao contrário dos governos Lula e Dilma, terá forte resistência dos movimentos sociais. Os governos petistas possuem base social e, por bons e maus motivos, muitas lideranças populares e sindicais, além de intelectuais, artistas e profissionais liberais, se identificam com o lulismo. Também pelas vantagens do Poder, parte importante dos ativistas da esquerda se apelegou espetacularmente. O jogo muda com a saída do PT do governo e pode mudar de maneira perigosa. O discurso do partido insistindo na tese de que há um "golpe" em andamento - de fato há, mas não é o impeachment e sim a desarticulação da Lava Jato - poderá estimular, logo adiante, ações de retaliação. Se dirá, então, que elas são uma resposta popular aos desmandos contra a democracia. Se esse for o desdobramento, o nível de tensão irá subir, especialmente com a novidade do surgimento de uma direita fascista disposta à "ação direta". No cenário oposto, o governo distribui cargos e favores à rafiagem do Congresso e consegue os votos necessários para evitar o impedimento. Teremos, então, um governo de espantalhos, dirigido por Lula - não se sabe se em um ministério ou em uma prisão.
A gravidade da situação autoriza novas eleições para a presidência a partir da cassação da chapa eleita em 2014 pelo TSE. Os motivos são cada vez mais claros: a campanha Dilma-Temer foi, ao que tudo indica, financiada pela corrupção. Comprovada a hipótese, estaríamos diante de atentado consumado à democracia e o caminho constitucional seria o da eleição em 90 dias. Talvez os ministros do TSE estejam muito ocupados para encarar a História e não julguem o processo em 2016. Nossos tribunais também não são como os da Islândia e não é um acaso que Maluf não possa sair do Brasil por conta de condenações criminais em vários países, mas que, aqui, siga dando entrevistas. O fato é que somente um governo que emerja das urnas terá a legitimidade para construir saídas com a sociedade. Dilma perdeu irreversivelmente esta condição, Temer jamais a terá.
A gravidade da crise adquire sua verdadeira dimensão quando pensamos nas alternativas em disputa. Qualquer resultado do processo de impeachment será trágico e nenhum irá oferecer resposta aos legítimos anseios populares contra a corrupção. Particularmente a assunção de um governo Temer poderá, pelo contrário, implicar em mais corrupção, especialmente se a Lava-Jato for anestesiada. Os mãos-leves do PMDB e do PSDB, além disso, são mais hábeis e sofisticados que seus primos barbudos. Tempo de serviço conta muito, como se sabe.
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