As democracias modernas permitiram, em grande parte do mundo, a consolidação de partidos vocacionados à disputa pelo poder e pouco afetos à proposição de políticas públicas eficientes e à efetivação de reformas. Isto ocorreu, como subproduto do sistema, basicamente pela modulação das posições dos candidatos à média das expectativas do eleitorado e pelo financiamento privado das campanhas. O processo, entretanto, é disfuncional, porque impede mudanças necessárias diante do risco de desgaste eleitoral e de prejuízos à governabilidade. Os vitoriosos se tornam, então, paralíticos. A experiência concreta de sucessivos governos que adiam a resolução de problemas históricos (o que os torna mais graves) alimenta a sensação de inutilidade da política. Quando esta realidade se soma à percepção de que os incompetentes se beneficiam de privilégios e, com frequência, roubam, se produz o "descolamento" pelo qual a cidadania perde suas referências na esfera pública e mergulha seus sonhos no espaço de suas vidas privadas.
O primeiro problema de vidas vividas quase que exclusivamente na dimensão privada é que isso impede a ação coletiva, o que desempodera as pessoas. O segundo, é que, sem protagonismo no espaço público, não há promoção de consciência política, nem controle social possível. O círculo vicioso se fecha na produção sistêmica do egoísmo e de uma visão de mundo amaldiçoada pela ignorância e pela mesquinharia. Para quebrar o feitiço, é preciso que surja na cena pública uma proposta política capaz de renovar a expectativa por mudanças reais. Esta proposta deverá sensibilizar inicialmente as novas gerações, onde repousa a energia transformadora e as disposições mais generosas de ação. Partidos que surgiram da indignação dos jovens com a política tradicional, como o Syrisa na Grécia e o Podemos na Espanha, criaram alternativas políticas importantes. Por outras vias, a pré-candidatura de Bernie Sanders nos EUA parece estar cumprindo o mesmo papel.
É provável que o Brasil passe por processo semelhante. O espaço, aliás, para uma alternativa política transformadora nunca foi tão grande. Haverá dificuldades, claro, como o tamanho de nossa Idade Média e a correspondente disposição de parte do respeitável público em favor da boçalidade. O fato é que, por sobre os signos do atraso, cresce a disposição por mudanças profundas, assim como a rejeição ao discurso das múmias. Quem conseguir representar esta vontade nas eleições municipais poderá repetir a frase de Victor Hugo: "Não há nada tão poderoso como uma ideia cujo tempo chegou".
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