O menino de Guaporé nasceu diferente, combinemos, e o futuro se encarregou de mostrar o quanto. Lembro do confessional "Botequim do Maurício" que gravei com ele alguns anos atrás. Foi no saguão do hotel que adotou como casa na zona norte da Capital, recém tinha levantado um dos grandes títulos no Grêmio, não lembro se Copa do Brasil ou Libertadores.
Estava animado, brincou com a decisão editorial do quadro de não colocar bebida alcoólica na mesa, deu muita risada e contou, entre outras coisas, que tentou jogar no Inter antes de se apresentar no Grêmio em homenagem ao único colorado da família, seu pai. Como faltou um beliche no alojamento colorado, o carismático Renato Portaluppi não vestiu vermelho e se transformou em estátua no rival.
De lá para cá, por força deste carisma impressionante, não colou na sua imagem junto à torcida a maneira como saiu do clube para jogar no Flamengo nos anos 1980, como há pouco tempo não grudou em sua pele a legítima comemoração dos gols do Flamengo que ele dirigia contra o Grêmio na Arena numa disputa de Copa do Brasil. Tampouco está na cabeça dos e das gremistas eufóricas pelo seu retorno a crise técnica que se abatia sobre o time na parte final do seu trabalho.
Além de perder placidamente para o Palmeiras na decisão da Copa do Brasil, o Grêmio foi eliminado em casa pelo Independiente del Valle na fase seletiva da Libertadores. Magoado com a frase dita aos microfones por Cláudio Oderich logo após a eliminação, onde o conselheiro convocava uma reunião de diretoria para o dia seguinte tendo como pauta a demissão de Renato, o treinador se demitiu antes de ser demitido.
Estava em plena recuperação de covid quando deixou Porto Alegre e parecia um adeus, ainda que o próprio Renato lembrasse na saída que um convite do Grêmio nunca seria um convite e sim uma convocação. Pois bem, Romildo Bolzan Júnior acaba de convocar Renato para sair da condição de estátua e se materializar gente na tentativa de levar o Grêmio de volta a seu lugar. Vai conseguir, tenho convicção que sim.
Não é problema de Renato se a direção agiu de forma tão amadora na hora de encerrar a passagem de Roger Machado, que poderia ter sido demitido ainda na terça-feira à noite ou ao longo da quarta-feira, mas saiu pouco mais de 24 horas antes do jogo contra o Vila Nova. O próprio Renato viveu cena constrangedora na hora de sair. A diferença a favor do técnico que começa seu quarto ciclo no Grêmio é que ele volta mais poderoso do que nos momentos em que já era puro poder.
Ninguém mandará mais do que Renato Portaluppi no clube até dezembro. Ele estava lá em sua cobertura na Prudente de Moraes, Ipanema, vivendo as delícias cariocas e desfrutando o conforto financeiro que seu trabalho lhe proporcionou. Foi chamado, convocado, como queiram. Terá em mãos um grupo de qualidade muito inferior a que havia quando saiu.
Na verdade, Renato está fazendo uma ponte improvável entre o Flamengo, onde foi vice-campeão da Libertadores com qualidade sobrando em todas as posições, e este Grêmio que constrange sua torcida por gastar demais com jogadores de menos. Mesmo assim, com uma folha artificialmente inflada, há qualidade suficiente para que o time jogue mais futebol e não sofra tanto, se comparado a rivais muito inferiores, para subir de volta à Série A.
Se em sua terceira passagem no Grêmio Renato montou times que jogavam bonito sem deixar de competir, na segunda, não. Portaluppi se enquadrou, à época, ao que tinha em mãos e foi vice-campeão brasileiro jogando pragmaticamente. Nunca esteve nem perto do campeão Cruzeiro, mas assegurou vaga direta de Libertadores e reforçou junto à torcida uma justíssima idolatria.
Agora, setembro de 2022, a direção gremista decidiu submeter o clube ao ídolo para se assegurar de que o acesso virá. Partindo do princípio de que a candidatura de Denis Abrahão ruiu por completo, é razoável crer que Alberto Guerra ou Odorico Roman se comprometam, em caso de vitória na eleição presidencial, a permanecer com Renato em 2023.
O treinador enfrentaria, então, cenário de pós-guerra. A qualidade, hoje, seria insuficiente para evitar que o Grêmio abrisse Brasileirão do ano que vem candidato a novo rebaixamento. A capacidade de investimento é limitada se comparada a de Vasco, Cruzeiro e até Bahia, que vêm cacifados por SAF's, onde dinheiro para fazer time de primeira divisão não vai faltar.
Nem estou comparando com a capacidade de investimento de Palmeiras ou Flamengo. Estou evitando até comparar diretamente com a do Inter, que deve ter vaga direta de Libertadores. O futuro imediato do Grêmio, na premissa de que subirá à Série A, recomenda o pragmatismo de montar time para não correr novos riscos no ano que vem.
Renato, neste contexto, será desafiado a exercer toda competência que amadureceu nos últimos anos não só em gestão de grupo, mas em inteligência tática para formatar equipe competitiva. O Grêmio terá que atacar uma debilidade física que impressiona à esta altura da Série B, bem como lesões repetidas que a todos intrigam há bastante tempo na Arena.
Renato gosta de ter voz ativa em todas as áreas. É só lembrar a entrevista que deu travestido de vice de futebol quando, ao microfone, proibiu boletins médicos de jogadores lesionados. Do jeito que foi chamado para salvador, seu poder agora e depois será daí para mais. Terá poderes de rei, o que em nada surpreende porque, afinal, se trata de um "Rei nato".