Quem foi ao Beira-Rio terça-feira passada saiu do estádio com a sensação de que o time do coração mudou de status naquela noite. Era a primeira vez na temporada que o Inter dava uma resposta tão extraordinária à adversidade.
Para chegar à remontada, foi preciso mais do que a óbvia qualidade de Alan Patrick, a melhor expressão técnica da equipe de Mano Menezes, ou de Edenílson, que viveu jornada de protagonista como se espera dele há muito tempo.
O Inter que se classificou às quartas da Sul-Americana necessitou dramaticamente de jogadores que têm como traço essencial a entrega à disputa como se a vitória valesse o prato de comida do dia. Da semana. Do mês. Pedro Henrique e Alemão trazem este espírito ao time. A irresignação de quem sabe o quanto custou estar vestindo a camiseta colorada.
Pedro Henrique e Alemão são diferentes entre si num aspecto da fome. Alemão, por exemplo, é mais jovem do que o parceiro de ataque e busca uma inesperada afirmação no cenário dos grandes clubes do país. O prato de comida que ele disputa a cada bola é quase literal. O centroavante está construindo sua carreira, jogou Gauchão pelo Novo Hamburgo emprestado pelo Avaí. Machucou-se e ainda assim despertou o interesse do Inter porque, afinal, era o tipo de negócio que ninguém criticaria.
Se Alemão desse errado, o custo da contratação foi ínfimo. A expectativa quanto ao seu rendimento, baixa. Logo, um tiro na água que não faria o torcedor criticar a direção por empenhar dinheiro demais em quem joga de menos. Caso dê certo, como começa a dar, Alemão será apontado como um estratégico lance ousado de uma direção que sabe não ter dinheiro para grandes reforços.
Ninguém mais do que o próprio Alemão tem noção do tamanho da chance que está recebendo. Lesionou-se no clube menor, já teve duas lesões no Inter, tenta curar os machucados rapidamente porque não tem tempo a perder. Seu retrospecto recente em jogos do Beira-Rio banca sua titularidade para os jogos mais decisivos que vêm aí. No 3x0 sobre o Coritiba, Alemão tem um gol e uma assistência.
Na virada contra o Colo-Colo, ele participa de dois gols e faz outro. Antes, logo que virou titular na chegada de Mano Menezes, havia feito os gols da vitória no 1x0 sobre o Fluminense no Maracanã e no 1x0 sobre o Independiente em Medelln. Ganhou a posição, passou a ser mais marcado, atrapalhou-se e se machucou de novo.
O treinador garantiu, numa entrevista pós-jogo qualquer, que Alemão seria seu homem de referência se estivesse em boas condições. Enquanto não voltava à melhor forma, Mano insistiu com David e a resposta foi muito ruim. Quando Alemão enfim retornou, respondeu.
Hoje, até que o Inter consiga contratar um goleador, o que custa muito caro e talvez nem aconteça, ele é o atacante. Vai continuar jogando pelo prato de comida como faz desde sempre. Agora, com muito mais motivos para não desistir.
O prato de comida que Pedro Henrique disputa toda vez que entra em campo não é para matar a fome do estômago vazio. Ao se entregar como se cada bola fosse a última da carreira, ele alimenta a alma. Alimenta o coração do coloradinho cuja foto o Globo Esporte apresentou quarta depois que Pedro Henrique fez o gol da classificação na Sul-Americana.
Na casa modesta, cercado de familiares, o menino ostentava a camisa do Inter no corpo e parecia feliz em vesti-la. Pedro Henrique já chegou com a vida ganha. Embora não atuasse em clubes de primeira linha da Europa, recebia salário em moeda estrangeira, era reconhecido por onde passou, tinha mercado inclusive para ficar por lá.
O atacante contou no Sala de Redação que conseguiu antecipar a saída que aconteceria só em julho deste ano. Já despertara o interesse do clube do coração outras duas vezes, não conseguiu vir imediatamente porque numa delas, por exemplo, estava em meio a uma decisão de título e nem seu coloradismo foi capaz de fazer com que forçasse a saída num contexto como aquele.
Desta vez, sim, valeu-se da bola relação com a direção do clube em que estava e chegou no início do ano. Pedro Henrique vê o Globo Esporte e ouve o Sala de Redação de que participou ainda do posto da TV. Tem de memória patrocinadores da jornada da Gaúcha dos seus tempos de menino ouvindo rádio na zona rural de Santa Cruz.
Conversando com ele antes de entrarmos no Globo Esporte, perguntei se ele saiu machucado do jogo contra o Colo-Colo, disse que machucado, não. Só esgotado. Emendei outra pergunta: e se alguém lhe disser que você tem que ficar fora do jogo contra o América MG segunda-feira no Beira-Rio, o que você diria?
Pedro Henrique arregalou os olhos, entortou de lado a cabeça e soltou uma pérola. "Eu diria: não vem com essa!", e ficou me encarando até dar uma risada aliviada de quem vive, certamente, o melhor momento de sua vida.
Talvez tenha passado por ótimas fases profissionais nos clubes em que atuou fora do Brasil. Agora, no entanto, não é só profissional a satisfação. Pedro Henrique está feliz. Mora dentro dele o gurizinho vestido de Inter no aniversário.
Times bem-sucedidos precisam ter jogadores como Alemão e Pedro Henrique. Nem são titulares absolutos, eles estão titulares. Porém, agregam uma identificação com a torcida que faz muito bem ao coletivo. Do jeito que se parecem com quem está na arquibancada, contam com um olhar mais compreensivo dos que estão lá.
O primeiro e o segundo erro são relevados porque está claro o quanto estão se empenhando para fazer o melhor. O jogador De Pena, outro dia, brincou com a câmera que registrava seu abraço em Alemão depois de uma vitória. Disse o uruguaio apontando para o amigo: se enganou e fez um gol!
O ambiente melhora quando há jogadores dotados deste espírito que Alemão e Pedro Henrique trazem ao Inter. Com a confiança recém adquirida, se credenciam para que mais vezes façam papel de protagonistas e provoquem nos demais a mesma fome de prato de comida que mostram cada vez que calçam as chuteiras.