As palavras com que se tenta traduzir hoje em dia o futebol sugerem uma revolução extraordinária no esporte, algo capaz de transformá-lo noutra modalidade. Tanta modernidade traz imediatamente duas reações ao processo, ambas compreensíveis e unidas por um mesmo defeito, o extremismo.
Diante do ponta que virou extrema e do meia que virou interno, há quem se ponha em franca reação e garanta que se trata só de novas terminologias para o que sempre houve. No outro extremo, se encontram os admiradores que desconsideram a origem mais do que centenária do futebol e entendem que tudo que há de melhor nele surgiu há pouquíssimo tempo e o passado é quinquilharia.
Neste contexto, falar de Pelé e garantir que nunca houve nem haverá nada remotamente parecido com o fenômeno remete de imediato a um olhar complacente ou furioso do interlocutor. Geralmente, tem a ver em proporção direta com a juventude de quem não admite, no arroubo dos seus hormônios, que tenha havido alguém melhor do que Cristiano Ronaldo, Messi ou, pouco antes, Ronaldo Nazário e Ronaldinho Gaúcho.
Da mesma forma que todo elogio feito pelos mais jovens aos craques contemporâneos receba do ouvinte a mesma expressão de rosto que, traduzida em palavras, significaria "pobre jovem, não sabe o que é craque de verdade"...
O colunista se atreve a dizer que só a essencialidade da bola não muda no futebol. O fato indiscutível é que não se faz gol sem a bola. Todo resto se trata de adequações periódicas a que todos se submetem para tentar dar a ela o destino final das redes.
Se antes bastava o talento para ser vitorioso, o avanço espetacular do condicionamento físico instaurou um novo tempo, aquele em que a força e o vigor são capazes de anular, num processo coletivo, o talento superior do outro lado. Nunca antes o treinador ganhou tanta relevância, o que tem a ver diretamente com a crescente anulação ou diminuição do talento como protagonista do sucesso.
Ao longo da história, sobram técnicos revolucionários que marcaram época e potencializaram a qualidade individual para a conquista de campeonatos. Nos nossos dias, os comandantes ganharam o centro do palco porque suas estratégias podem reverter favoritismos ou confirmá-los quando o treinador do melhor time consegue organizar seus jogadores talentosos para superar o rival menos dotado de técnica e mais dotado de força.
Se só a bola não muda no futebol, como afirma o título da coluna, todo entorno é um sedutor emaranhado de ideias que, se bem praticadas, vão inaugurando novas fases do esporte mundo afora. Os mais revolucionários treinadores como Guardiola fazem exercício de simplicidade. Jurgen Klopp ou Carlo Ancelotti não parecem ter esta pretensão, mas não negociam um milímetro quanto à excelência que cobram dos jogadores na execução dos seus planos de jogo.
Por mais que o futebol autorize novidades e elas sejam incorporadas à pratica do jogo pelos gramados do planeta, algumas coisas seguem inegociáveis para que as coisas deem certo. Trazendo para os pagos, estamos vivendo mais uma vez a tentação de desafiar premissas básicas do futebol.
Atacante, por exemplo, pode cumprir função tática à vontade, mas é premissa do ofício fazer gol. Por isso, para David ser titular no ataque colorado alguém ao seu lado precisa se beneficiar de suas assistências e colocar a bola para dentro.
Por isso, Thiago Santos e Villasanti juntos à frente de três zagueiros sinaliza absoluta inviabilidade de criação no meio-campo gremista porque criação se faz com passe vertical e antevisão. A sopa dos números pode ser saborosamente saboreada e discutida na disposição tática de um time. Porém, não basta determinar que se jogará 4-3-3 se forem inaptos à função ofensiva os três da frente.
Não basta estabelecer um 3-5-2 que na prática vira 5-3-2 se os alas não têm aptidão para o ataque. É vazia qualquer discussão sobre posição e função se não for contemplada a aptidão de cada jogador para cumprir a tarefa exigida, esteja ele na posição de partida em que estiver. O texto inteiro poderia ser resumido pela máxima de que não adianta mandar a ovelha voar porque ovelha não voa. Mas aí perderia a graça.