A Polícia Federal (PF) afirma no relatório em que indiciou Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas que o golpe de Estado planejado em 2022 só não foi consumado por “circunstâncias alheias à vontade” do ex-presidente. Em mais de uma oportunidade, segundo a investigação, Bolsonaro convocou os comandantes das Forças Armadas e outros oficiais de alta patente para propor a decretação do estado de defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a criação de uma Comissão de Regularidade Eleitoral para apurar a "conformidade e legalidade do processo eleitoral".
O relatório diz que o ambiente para o rompimento institucional começou a ser criado muito antes, de forma coordenada, pela divulgação de notícias falsas sobre a vulnerabilidade das urnas eletrônicas. Com a presença de milhares de militantes nas ruas, que recebiam incentivo dos investigados para seguirem com a mobilização, a outra etapa envolvia conquistar o apoio dos comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha.
A PF entende que o plano esbarrou na resistência do general Freire Gomes (Exército) e do tenente-brigadeiro do ar Baptista Júnior (Aeronáutica). Em depoimento, eles admitiram participação em reuniões nas quais receberam de Bolsonaro diferentes versões sobre a minuta de golpe. O documento teria sido alterado, inclusive, para tentar adequar o conteúdo a termos mais objetivos, para que os comandantes concordassem.
Após ser derrotado nas urnas, o então presidente se isolou na residência oficial, onde aceitava receber poucas pessoas. Um dos encontros com os comandantes das Forças Armadas e o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ocorreu no dia 7 de dezembro de 2022. Dois dias depois, o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, encaminhou outra mensagem de áudio a Freire Gomes argumentando que havia pressão de empresários do agronegócio e de deputados para uma medida mais radical.
Diante das negativas, Bolsonaro também se reuniu, de acordo com a investigação, com o general Estevam Theophilo, comandante do Comando de Operações Terrestres do Exército. O militar teria demonstrado disposição de apoiar com efetivo uma ação de ruptura caso Bolsonaro assinasse a minuta.
Ao concluir a investigação, a PF também identifica o general Walter Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022, como o militar de alta patente mais envolvido no planejamento de ações ilegais. A partir do trânsito que possuía com o Alto Comando do Exército e outros colegas de caserna, a investigação mostra que ele pressionou os comandantes a aderirem ao golpe e determinou um ataque coordenado a eles em redes sociais após receber as negativas.