
Foi a própria "segunda-feira sangrenta" (do inglês bloody monday, fenômeno recorrente nas bolsas). Teve queda histórica – a bolsa Hang Seng, de Hong Kong, desabou 13,22%, maior tombo desde a crise asiática de 1997 e pior do que os ocorridos em 2008 e na pandemia. Parte foi decorrente do feriado na sexta-feira anterior, mas espelhou o pânico que se apoderou dos mercados financeiros mundo afora. No Brasil, o dólar fechou em R$ 5,911, resultado de alta de 1,29% e a bolsa teve queda de 1,38%.
O caos foi tamanho que teve até fake news fazendo preço nos mercados mais profissionais do planeta. As bolsas dos Estados Unidos despencavam entre 4% e 5% quando circulou a informação sobre uma suposta "pausa" de 90 dias na aplicação do tarifaço de Donald Trump. O índice da Bolsa de Nova York que tem o maior número de empresas, o S&P500, chegou a saltar 7%. Quando a Casa Branca negou que tenha qualquer intenção de fazer isso, voltaram ao vermelho, mas atenuando as perdas.
Os dois principais índices da Nyse fecharam em vermelho mais suave – o tradicional DJIA caiu 0,91% e o abrangente S&P 500 recuou 0,23% –, enquanto a Nasdaq conquistou a façanha de fechar estável, variando 0,1% para cima. Foi um desempenho muito melhor do que as asiáticas e as europeias. Isso ajudou a frear o tamanho da perda acumulada em três dias a estimados US$ 6 trilhões (sim, tri, de dólares). Isso equivale aos PIBs do Reino Unido e da França somados. Ou seja, em três dias, Trump provocou perda, só nos EUA, do equivalente a um Reino Unido e uma França.
Essa comparação ajuda a entender o tamanho do erro de Trump. Nos últimos anos, os EUA acumularam tanta riqueza que existem várias empresas listadas em bolsa valendo mais do que o PIB de vários países.
O tarifaço atinge, inclusive, várias dessas empresas, americanas de nascimento e de prática. Não são apenas as "big techs" ou as "magnificent seven", ligadas a tecnologia ou a inteligência artificial. Perderam desde as montadoras que Trump alega querer preservar até as marcas especializadas em corações e mentes, como a Nike.
O maior dos blefes
Pouco antes da fake news, Trump havia feito o maior dos blefes: inconformado com o "mau comportamento" da China, disse que pode impor uma tarifa adicional de 50% sobre os 34% já anunciados caso o gigante asiático não retire a represália – uma tarifa de 34% sobre os produtos americanos que entrem no país.
A expectativa do governo Trump era de que a China se somasse à fila de 50 países que se apresentaram para uma "negociação". A expressão mais adequada seria "extorsão", que é "ato de obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, por meio de ameaça ou violência, com intenção de obter vantagem, recompensa, lucro".
Os impactos possíveis
Antes do anúncio oficial, bancos, universidades e órgãos de financiamento de exportações fizeram projeções sobre o impacto do tarifaço de Trump. Cada um adotou um cenário diferente para o aumento das alíquotas. A coluna está mantendo, no final dos textos sobre o tarifaço de Trump, os principais pontos, mas adverte: o anúncio, concordam os especialistas, foi pior do que o esperado e tornou os cenários traçados benignos frente ao potencial de prejuízos.
1. Goldman Sachs, uma das maiores instituições financeiras dos EUA, com aumento de 15 pontos percentuais neste ano: aumento na probabilidade de recessão de 20% para 45% (atualizado nesta segunda-feira), alta no índice de inflação mais observado pelo Fed de 3,5% (a meta lá é de 2% ao ano).
2. Laboratório de Orçamento da Universidade de Yale, com elevação de 13% na tarifa efetiva dos EUA: aumento de preços entre 1,7% e 2,1%, redução entre 0,6 e 1 ponto percentual no PIB e perdas de US$ 1 mil a US$ 1,3 mil para as famílias americanas.
3. Instituto das Economias em Desenvolvimento, ligado à Organização de Comércio Exterior do Japão (Jetro, na sigla em inglês), com tarifas de 25% dos EUA: queda de 0,6% no Produto Interno Bruto (PIB) mundial em 2027 (perda de US$ 763 bilhões), puxado por tombo de 2,7% no PIB americano de 2027 e forte impacto nos lucros de empresas americanas que dependem de componentes chineses.
4. Universidade Aston (Reino Unido), com tarifas de 25% sobre todas as importações, seguidas de retaliações na mesma alíquota: perda de US$ 1,4 trilhão na economia mundial e drástica elevação de preços nos EUA. Teria efeitos semelhantes ao da guerra comercial de 1930 que aprofundou a Grande Depressão.