Se hoje há um discurso que rompe a polarização, é o de que o Brasil tem condições de se beneficiar com o "crescimento verde" graças a sua matriz energética limpa e à abundância de recursos naturais para explorar muitas fontes e se apresentar ao mundo como uma solução. Caso isso se concretize, o país deve ser grato ao inglês John Elkington, que criou boa parte dos conceitos que formam a base do desenvolvimento sustentável e os amarrou no chamado "tripé da sustentabilidade", formado por aspectos econômicos, sociais e ambientais, base também do ESG (governança corporativa, social e ambiental). A coluna ouviu Elkington na quinta-feira passada, pouco antes de sua palestra no South Summit e depois da nova tempestade que ainda deixa gaúchos sem luz, que acabou virando um símbolo da mudança climática que é preciso frear. Na conversa informal que antecedeu a entrevista, comentou que havia começado a cursar Economia, mas desistiu. A coluna quis saber se não seria muita intromissão perguntar o motivo, e ouviu a resposta típica de um inventor:
— Não, é bom ser curioso. Sempre disse que uma das minhas habilidades é a intromissão.
Por que desistiu de cursar Economia?
Fui para a universidade fazer Economia porque parecia muito adulto. Mas desisti em 1968 porque a Guerra do Vietnã estava em curso e começavam a surgir as questões ambientais. Os economistas 'normais' tinham pouco a dizer sobre isso. Mudei para a sociologia e fiz pós-graduação em planejamento urbano. Muitos anos depois, pensei: 'bem, criei essa coisa chamada tripé da sustentabilidade, que envolve economia, sociologia, e ambiente, relacionado à vida nas cidades. Gostava de história econômica, mas não de microeconomia. Existem economistas realmente interessantes, e alguns dos mais interessantes são as mulheres, como Mariana Mazzucato (italiana ligada à University College London, alma mater de Elkington). E hoje ninguém fala em economia sem discutir o tripé da sustentabilidade. Gostaria muito que os economistas prestem atenção e compreendam. Não há outra maneira de discutir economia e questões empresariais sem discutir isso.
Como vê a evolução do tripé da sustentabilidade hoje?
Olho, por exemplo, para o movimento de Empresas B, e vejo mais de 8 mil negócios que se estabelecem agora em torno desse conceito. Então está aí, e crescendo. Há milhares, possivelmente dezenas de milhares de empresas que reportam alguma versão do tripé da sustentabilidade. O que mudou é o ESG (governança corporativa, social e ambiental), que não é exatamente a mesma coisa.
Em todos há um ponto comum: negócios não são mais apenas negócios. É preciso considerar questões sociais e ambientais.
Mas tem a base do tripé, não?
Sim, é baseado. Paul Clements Hunt, que teve a ideia do ESG, aceita que os dois primeiros conceitos são semelhantes, mas o 'G' é bem diferente. O negócio pode ter pode ter impacto econômico, social e ambiental. Que pode ser negativo, positivo, misto ou outro. Mas sempre pensei que, se tivéssemos um tripé da sustentabilidade, temas como governança e educação estariam no centro, como uma espécie de eixo. O ESG teve forte expansão, especialmente durante o período da covid, em que todos queriam ter o seu próprio fundo. Como costuma acontecer, isso atraiu muitas pessoas que não entendiam o que estavam fazendo ou deveriam fazer. Começou a surgir essa consciência, e centenas de fundos estão sendo revistos. É saudável. O tripé da sustentabilidade teve um começo lento. Tive a ideia em 1994. Canibais com Garfo e Faca, meu principal livro sobre o tema, foi lançado em 1997. E só alguns anos depois começou a engajar. Uma das etapas críticas, e estava pensando nisso hoje cedo, foi quando duas empresas pegaram a ideia e construíram seus relatórios, inicialmente, e depois suas estratégias em torno do tripé.
Quais foram?
A Novo Nordisk, uma fabricante de insulina e enzimas industriais na época. E a Shell, que fez seu primeiro relatório de sustentabilidade, chamado People Planning Profit, que foi minha linha de 1995. Aí houve um salto. Olhando para isso agora, acho extraordinário como influenciou as pessoas. Depois, surgiram outros conceitos, como valor compartilhado, ESG e outros. É um cenário com muitos idiomas e siglas. Mas em todos há um ponto comum: negócios não são mais apenas negócios. É preciso considerar questões sociais e ambientais.
Sempre disse que não me importo se uma empresa comete um erro honesto. Mas se comete vários, então deveríamos atingi-los, e às vezes com bastante força.
Também surgiram problemas, como a maquiagem verde. Como vê essas distorções?
No final da década de 1980, antes de elaborar o tripé da sustentabilidade, escrevi um livro chamado O Guia do Consumidor Verde. Vendeu um milhão de cópias em 18 meses. Foi surpreendente. Criou esta onda, especialmente na Europa e na América do Norte, de empresas que tentavam fazer a coisa certa. Houve muita maquiagem verde na época. Sempre disse que não me importo se uma empresa comete um erro honesto. Mas se comete vários, então deveríamos atingi-los, e às vezes com bastante força. Uma certa quantidade de maquiagem verde é inevitável. Neste mês, a KLM (empresa aérea holandesa) foi considerada culpada de maquiagem verde com base em leis da União Europeia. Então se tornou uma questão legal. É preciso fazer isso. Caso contrário, as pessoas apenas usam a linguagem, mas não têm intenção de praticar. É triste, mas é muito humano.
Há algo que pode desestimular erros não honestos?
É preciso ter regulação. Também são necessárias instâncias como conselhos administrativos e comitês executivos abertos a desafios internos. É bom lembrar que campanhas de marketing e publicidade devem ser lançadas só depois de testadas, tanto interna quanto externamente. As pessoas aprendem observando o que ocorre com outras empresas e marcas que cometem erros. Mas às vezes aprendem só a ficar em silêncio. Ficam preocupados em dizer qualquer coisa sobre o que estão fazendo. Novamente, é muito humano, é compreensível. Mas não é muito útil porque precisamos que as empresas despertem e comuniquem a sua compreensão dessas questões e do que estão fazendo.
O que fazemos nas empresas é um começo útil. Mas nem sequer começa a arranhar a superfície do que deveríamos estar fazendo.
Estamos enfrentando alguns dos efeitos da mudança climática, como vê ritmo das medidas para freá-la?
É animador, em alguns aspectos, porque as pessoas estão discutindo mais. No meu voo, havia um copinho com os dizeres 'sustentabilidade e o rumo necessário' (da companhia aérea Latam). Em 2003, fui a Cape Cod, nos Estados Unidos, visitar o Woods Hole Oceanographic Institution, provavelmente o melhor centro de pesquisa do mundo em oceanos. Passei um dia inteiro falando com cientistas. Pensei que sabia sobre mudança climática. Escrevi meu primeiro relatório sobre o clima em 1978. Mas saí dessa série de conversas com os joelhos tremendo, posso dizer. Há mudanças nos padrões das correntes oceânicas, particularmente no Atlântico. Existem correntes muito profundas que vão para o sul da África. Mas, desde 1970, vêm desacelerando, o que não ocorria em dezenas de milhares de anos. E nos últimos 12 a 18 meses, as temperaturas do oceano começaram a ficar absolutamente malucas. Grande parte do calor foi para os oceanos e agora excedemos a capacidade de absorção. Muitas emissões de carbono viraram ácido carbônico e estão corroendo organismos marinhos. O que fazemos nas empresas é um começo útil. Mas nem sequer começa a arranhar a superfície do que deveríamos estar fazendo. E um dos verdadeiros problemas é o fato de a economia ainda não atribuir valor alto o bastante à biodiversidade e à estabilidade climática.
Considera-se otimista?
Nasci otimista. É preciso, para fazer esse tipo de coisa. Mas meu modelo mental, se é que tenho um (risos), tirei de um livro que li aos 14 anos, A Estrutura das Revoluções Científicas. Diz que novos paradigmas levam de 50 a 60 anos para se estabelecer, e muitas vezes, parecem retroceder. Nos últimos 10 a 15 anos, aceleram e impulsionam a mudança em escala, ritmo e amplitude. Nos próximos 10 a 15 anos, veremos mais mudanças do que nos últimos 50. Mas isso não nos leva de forma automática na direção que queremos seguir, porque podemos colapsar, mas temos de avançar (jogo de palavras com 'breakdown' e 'breakthrough'). E isso se resume à liderança. Estou otimista de que encontraremos a próxima geração de líderes nos setores privado, público e na cidadania. Mas a maioria ainda não chegou lá. São pessoas das quais nunca ouvimos falar, não conhecemos. Porque os que conhecemos hoje, por melhores intenções que tenham, não sabem como fazer.
O alerta está posto, mas não creio que a atual liderança possa fazer a mudança. Portanto, sou otimista se conseguirmos encontrar novos líderes e trazê-los para a política, para o governo e para o setor privado com rapidez suficiente.
Temos esse tempo? Começo a entender Jeff Bezos e Elon Musk, que querem colonizar outros planetas.
Acho que Elon Musk, em particular, é clinicamente insano. Admiro alguns de seus negócios. Fez mais do que qualquer outro para mostrar como a tecnologia pode gerar soluções atraentes que as pessoas, no caso dele, desejam implementar. Mas vemos Mark Zuckerberg, do Facebook, construindo um bunker no Havaí. E outros comprando propriedades na Patagônia ou na Nova Zelândia, porque sabem a trajetória em que estão colocando o mundo. Iremos a Marte? Acho que não. Qualquer pessoa que tenha analisado sabe quão inóspito é. Não temos tempo para salvar muitos dos ecossistemas. Quando estive em Woods Hole, o diretor de lá me disse que meu país, Reino Unido, terá em 40 a 50 anos padrão climático como o da Sibéria. As tempestades severas são agravadas pela mudança climática. Ainda não totalmente geradas por isso, mas estamos muito perto. Há alguns anos, no Atlântico, surgiram de repente três ou quatro sistemas de tempestade. Isso nunca havia sido visto antes. O alerta está posto, mas não creio que a atual liderança possa fazer a mudança. Portanto, sou otimista se conseguirmos encontrar novos líderes e trazê-los para a política, para o governo e para o setor privado com rapidez suficiente. Como por vezes dizem os políticos, sabemos o que precisamos de fazer, mas não sabemos como ser reeleitos se o fizermos. O mesmo ocorre no mercado financeiro e com os CEOs.
Com esse quadro, porque uma empresa deveria investir em questões sociais e ambientais?
Não acho que deveria se não quiser estar no mercado daqui a cinco anos. É possível evitar, por um tempo, e parte sempre tentará fazer isso. Algumas conseguirão, mas a maioria não terá sucesso. A razão é que os cidadãos estão mais conscientes das questões sociais e dos direitos humanos, das questões ecológicas e ambientais. A maioria não está realmente preparada para fazer muito, querem que outro faça. Mas estamos a vendo um padrão frequente em que marcas ou empresas individuais fazem coisas erradas e recebem enorme descarga de energia negativa. É quase uma carga eletrostática que se acumula em mercados e sociedades onde as pessoas sabem que estão fazendo a coisa errada, mas preferem usar um bode expiatório. Não tenho certeza de que isso mudará rapidamente, mas terá de mudar se quisermos promover mudanças significativas no sistema.
Se quisermos atrair capital a longo prazo, o talento de amanhã, o tipo de consumidores e clientes que realmente gostaríamos de ter, não há alternativa. É preciso ter sustentabilidade. E fazer isso bem.
Além de novas lideranças, do que depende?
Um dos desafios críticos é mudar a economia. É um tiro na lua, mas precisamos fazer nos próximos 50 anos. O impacto da escola de economia de Milton Friedman é corrosivo. Não porque fosse estúpido, era um homem brilhante. Se estivesse aqui agora, não diria o que disse em sua época. Buscava correção para o que viu acontecer, os governos controlando tudo. Agora, acredito que reconheceria que seu pensamento foi levado por fanáticos ao limite absoluto. Todos nós vamos pagar os custos. Há um número crescente, mas ainda pequeno, de pessoas conscientes sobre sustentabilidade, ESG e soluções climáticas. Claro, ainda existem os que dizem que é uma conspiração comunista (risos). Na verdade, é um bom negócio. Se quisermos atrair capital a longo prazo, o talento de amanhã, o tipo de consumidores e clientes que realmente gostaríamos de ter, não há alternativa. É preciso ter sustentabilidade. E fazer isso bem.