Não foi o leilão com o maior número de ações na batalha jurídica - o recorde foi da CEEE-D -, mas foi o realizado sob maior suspense. A liminar que suspendia a abertura da proposta única da Aegea só foi cassada pouco mais de 14 horas antes do prazo previsto.
A oferta da Aegea sugere que a gigante do saneamento tinha conhecimento de que não teria adversários. Na proposta entregue no dia 15, decidiu oferecer ágio simbólico de 1,15%, diferentemente do que fez na oferta de blocos da Cedae, do Rio de Janeiro, quando propôs valores ao menos 100% maiores do que o preço mínimo.
Ao menos um dos grupos com interesse na Corsan, o Perfin, acabou formando consórcio com a Aegea, assim como a Kinea, gestora de investimentos ligada ao Itaú Unibanco. A Itaúsa, holding que compartilha o controle do gigante financeiro, já havia feito um aporte de R$ 1,3 bilhão na Aegea, ficando com 10,2% da empresa. A Equatorial, também apontada como potencial candidata, acabou decidindo não apresentar proposta.
A direção da Corsan havia viajado a São Paulo, na segunda-feira (19), sem saber se o leilão seria realizado ou não. Embora o número de ações tenha sido menor do que as que cercaram a venda da CEEE-D, a natureza dos questionamentos legais era muito diferente das anteriores, o que exigiu do grupo da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) uma atuação inusual.
Assim como a venda da CEEE-D teve uma batalha pós-leilão, o mesmo vai ocorrer com a Corsan. Três medidas impedem a assinatura do contrato de compra e venda até que a estatal esclareça o processo de definição do preço mínimo e faça uma conciliação sobre pendências trabalhistas com os seus funcionários: uma do Tribunal de Contas do Estado (TCE), outra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e ainda uma terceira resultante de uma ação popular. A data prevista para a troca de mãos é 20 de março de 2023. Caso não seja possível resolver as pendências jurídicas até lá, o prazo pode ser entendido.
Embora ambas tenham potencial para provocar novas dores de cabeça jurídicas, o retrospecto da CEEE-D mostra que há remédios legais possíveis mesmo para questões complexas. Ao falar antes da abertura dos envelopes, o CEO da B3, a bolsa de valores do Brasil, Gilson Finkelstein, mencionou o "tão esperado" leilão da Corsan.
O formato desta venda, como a coluna já havia antecipado, é inédito no Brasil. É a primeira vez em que uma companhia inteira de saneamento é privatizada. Nos Estados que já contrataram empresas privadas para prestar os serviços, o formato escolhido foi a concessão de blocos, caso de Rio de Janeiro, Alagoas e Amapá.
Não era o modelo do "plano A" do governo do Estado, que chegou a tentar uma capitalização, com oferta de ações e manutenção de participação acionária na empresa. Só quando ficou claro que não seria possível, o Piratini desistiu e decidiu adotar a venda integral da empresa, considerada "desafiadora" dado o curto prazo de preparação. Em apenas cinco meses, o martelo foi batido. Falta resolver as pendências que impedem a concretização da venda. No caso da CEEE-D, eram no mínimo tão complicadas quanto, e foram resolvidas. Será preciso repetir a fórmula.
Entre os obstáculos, ainda está a forte resistência do sindicato dos trabalhadores da Corsan, o Sindiágua. Nesta terça-feira (20), logo depois do leilão, a entidade distribuiu nota em que seu presidente, Arilson Wünsch, anuncia a intenção de intensificar a batalha jurídica pós-leilão:
— A água é pública e não pode ser privatizada. Vamos anular esse leilão.
Segundo Wünsch, a intenção do sindicato é "comprovar que irregularidades são reais e causam um enorme prejuízo ao Estado e ao povo do Rio Grande do Sul".