Especialista em direito trabalhista, José Carlos Wahle adverte que as regras de terceirização e trabalho temporário aprovadas no Congresso, com diferença de quase 20 anos, ainda são confusas e podem gerar diferença de interpretação. Aponta lacunas no texto que ainda depende de sanção presidencial, mas pondera que pode ser boa notícia para o funcionamento da economia.
Como o meio jurídico está vendo a aprovação da terceirização?
Temos situação muito confusa. O projeto que aguarda sanção presidencial é muito antigo. Foi parcialmente modernizado quando passou pelo Senado. Ainda assim, é muito antigo. Tem algumas lacunas graves, tanto de questões muito específicas ou até de pontos mais genéricos. O projeto que está no Senado, por ser mais moderno, é um pouco mais completo. Dá menos margem para discussão. Independentemente de alguém ser a favor ou contra, é sempre melhor que a lei não deixe margem para dúvidas.
Se a situação é confusa, pode ampliar a judicialização?
Sim. Tudo continua sendo motivado pelo pagamento correto ou não das verbas trabalhistas. Não vejo nenhum trabalhador discutindo a natureza jurídica de seus contratos se não houver recompensa ou vantagem financeira. Pode haver judicialização maior por parte de sindicatos, do próprio Ministério Público do Trabalho. Sim, haverá judicialização, mas não em grande volume. Não será uma onda de processos trabalhistas muito grande, como vimos em outros modelos.
Individualmente, de pronto, não há causa econômica que motive as pessoas. Se houver de fato mudança de paradigma, os empregados não perderão representação sindical. A lei determina que todo empregado tem uma categoria que o representa. O que provavelmente haverá, em período inicial, é o crescimento das empresas de terceirização, especialização dessas companhias e fortalecimento dos sindicatos que as representam, em detrimento dos sindicatos tradicionais.
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Como ocorreriam essas mudanças?
Uma indústria de metalurgia leve para eletroeletrônicos, por exemplo, tem um departamento de TI que emprega muita gente. Hoje, se houver empregados próprios nesse espaço, serão considerados da área de tecnologia da informação, mas seguirão enquadramento sindical da categoria de metalúrgicos. Se o departamento for terceirizado, não será para uma empresa locadora de mão de obra genérica.
Há impacto nos sindicatos?
Haverá, nessa etapa inicial, migração da atividade sindical. Para os sindicatos de serviços, é uma boa notícia. Estão crescendo, com maior base e poder de negociação. Os tradicionais, de indústrias primárias, começarão a diminuir. Aí, poderá haver judicialização adicional muito curiosa. Não será discutido se os empregados estarão recebendo de maneira adequada. Será discutido o enquadramento sindical.
Se olharmos para sindicatos de indústrias primárias, até de serviços bancários, veremos que estão perdendo representatividade. São sindicatos que já sentem golpe em sua força, porque há mudança natural, com menor força de trabalho. Se a terceirização se confirmar dessa forma, acabará ocorrendo especialização da representação sindical. Não se formarão novos sindicatos. No modelo já existente, os sindicatos de empresas de serviços provavelmente crescerão por conta da migração de mão de obra que hoje está no setor primário.
A mudança é boa ou ruim?
Depende para quem for feita a pergunta. De alguma maneira, é boa, mas há desvantagem porque estamos em momento de estagnação da economia. Então, tudo que puder ser feito para estimular o emprego formal será bom. Não adianta impor modelos se, na prática, não funcionam.
A mão de obra temporária hoje é ultrarrestrita e não atende à demanda de indústrias com determinados ciclos de produção. Essas empresas têm de contratar e demitir. Então, é natural que busquem mão de obra temporária. Só que a mão de obra temporária no Brasil é limitada para substituir funcionários em férias, gestantes. Não supre a necessidade. Para o funcionamento da economia, isso parece boa notícia.