Sempre que volta de uma viagem internacional, o repórter Rodrigo Lopes passa na minha sala para dar um "oi", contar as peripécias e combinar quando e como será publicada a reportagem.
Desta vez, ele foi para a Antártica, conferir a quantas anda a obra da nova estação brasileira. Ao final da nossa conversa, Rodrigo perguntou:
– Estou com uma dúvida, chefe. Escrevo em primeira pessoa?
Jornalismo em primeira pessoa é controverso nas redações. Escrever "eu fui", "eu fiz", "eu senti" pode soar arrogante. O jornalista não é mais importante do que a notícia! O excesso de primeira pessoa num jornal ou em vídeos pode vulgarizar o efeito que se busca com a técnica. Muito usado em décadas passadas (aqui na ZH a gente até brincava ao classificar esse tipo de texto como sendo uma narrativa "confesso que vivi"), o recurso pode ser empregado em ocasiões especiais.
– Não tenho dúvida de que é caso de um texto em primeira pessoa – respondi ao Rodrigo.
Ícone do jornalismo de qualidade, o norte-americano Gay Talese abusou da primeira pessoa, em textos antológicos, obrigatórios nas faculdades de Comunicação. The New York Times, o jornal mais festejado do planeta, não hesita em usar a técnica, sempre que fizer sentido.
E por que a polêmica, não só nas redações?
Na quase totalidade dos textos de ZH, reina a terceira pessoa. O jornalista "desaparece" no texto e os holofotes recaem sobre a notícia e os entrevistados, eles sim protagonistas da história. Também há um outro motivo.
A terceira pessoa no texto jornalístico passa ao leitor a ideia de que o narrador está distante dos fatos e, portanto, menos contaminado por eles, conseguindo ser mais imparcial.
Ao se colocar na história, o jornalista passa a ser, de alguma forma, protagonista, contando o que sentiu e viveu, sem a distância que o olhar de fora da situação permite. Então, quando usar a primeira pessoa? Quando aquilo que o jornalista viveu ou sentiu interessa ao leitor. Simples assim.
Mas nunca haverá unanimidade para se dizer "neste caso, cabe a primeira pessoa". Por isso a controvérsia. Por isso o assunto é tema de teses nas escolas de Comunicação.
Depois de ouvir os detalhes da viagem, concluí que vocês gostariam de ler o relato do Rodrigo, misturado às histórias das pessoas que ele encontrou lá no meio daquele monte de gelo, exatamente como ele me falou ao chegar. Com a experiência de quem já viveu mais de 30 coberturas internacionais, Rodrigo nos pega pela mão e nos carrega junto na aventura. Não perca a reportagem, no caderno DOC. E depois me diga o que você achou.