
O novo romance de Paulo Scott é mais uma prova de que ele não gosta de conforto. Depois de contos, romance e novela que, cada um, já enfrentavam desafios os mais variados – de simular por escrito a fala de gente de poucas letras a fazer um jovem de classe média interagir profundamente com uma índia, por exemplo –, agora ele se propôs um problema que pode até parecer banal, mas que resulta muito interessante.
Estamos falando de O Ano em que Vivi de Literatura (Editora Foz). Centro do enredo: um escritor contemporâneo, Graciliano, vence o maior prêmio brasileiro, e isso o leva a abandonar o emprego (era professor universitário de História) e sua cidade (Porto Alegre) para realizar o sonho de viver de literatura, agora no Rio de Janeiro. Graciliano tem a tarefa de entregar novo romance para sua editora. Não consegue escrever nada, embora saiba improvisar briefings a granel
O livro podia, então, ser apenas uma nova variação da manha bastante autocentrada, comum na nova geração de escritores brasileiros, de falar sobre como sofre o escritor, como é difícil escrever, etc. Mas não.
O caso é que Graciliano vive numa espiral de sexo das mais intensas (o romance pode bem ser lido como literatura erótica, quanto aos procedimentos e personagens, com cenas muito boas), enquanto vai-se enrolando cada vez mais em seus impasses, dos quais amigos tentam tirá-lo – um sugere que faça concurso para outra universidade, outro oferece a ele uma posição no Ministério da Educação, agora que o governo parece estar com força e tino para fazer as reformas pelas quais tanto tempo esperaram. (O romance é também um comentário, que agora soa agônico, sobre os anos de bonança recentes, com pleno emprego e afluência social, a que não faltou nem mesmo um pequeno boom literário.)
O rumo dessa história vai sendo levado adequadamente, até que surgem dois novos elementos no enredo – a tensa relação do protagonista e narrador com seu pai, e a angústia pelo sumiço de sua irmã. Mais sobre isso, só lendo.
O livro tem o encanto de fazer observações inteligentes, e de vez em quando muito originais, sobre os relacionamentos narrados, amizades com sexo, ex-amores reencontrados, amigos fugidios, tudo isso. Da mesma forma, há todo um encanto nas sacações do narrador sobre as três cidades em que transcorre a ação, principalmente o Rio, mas também São Paulo e Porto Alegre. Certa mulher carioca, por exemplo, é descrita como tendo uma “tristeza contida, uma tristeza que era praticada só pelos cariocas”. A linguagem é da família david-foster-wallace, a mesma de Daniel Galera, e também aproveitada de modo produtivo: minúcia descritiva, que não evita reiterações que, parecendo ser, não são triviais, mas poéticas. Leitura boa, romance inteligente, que fala mais do que aquilo que se dá a ler no enunciado. Por exemplo: a sensação do narrador sobre o tempo socialmente glorioso em que vive, que não o empolga, mesmo que seus amigos estejam no poder. Há por tudo um desconforto, que às vezes é meramente nominal, porque o furor sexual meio que compensa as frustrações, mas às vezes ganha importância emocional compatível com a força que o autor soube inscrever na história.
* Luís Augusto Fischer escreverá mensalmente no novo Caderno DOC.