Aos 40 anos, Antônio Brum fecha sua primeira temporada como dirigente do futebol do Grêmio com algumas histórias para contar e resultados expressivos diante do cenário que se desenhava em dezembro de 2022. Campeão gaúcho, semifinalista da Copa do Brasil e vice-campeão do Brasileirão, Brum atravessou um 2024 em que teve sob seu comando o maior ídolo gremista e um dos maiores centroavantes do mundo.
Com naturalidade e discrição, o dentista obcecado por futebol e conhecedor do mercado de jogadores se prepara para a remontagem no grupo partir de uma nova lista de nomes elaborada através de suas observações, da ciência de dados e da pesquisa feita pelos analistas do Centro de Dados Digitais (CDD). Confira trechos da nossa conversa.
Em seus melhores sonhos, imaginava uma primeira temporada como dirigente com esses resultados? Afinal, tem título gaúcho, semi da Copa do Brasil e vice do Brasileirão?
Não quero parecer pretensioso, mas eu imaginava que fosse possível fazer um grande trabalho. Sempre acreditei que o futebol feito com olho, prospecção, análise, dá resultado. Estive no Grêmio como diretor na base e sempre achei que algumas contratações eram feitas de maneira amadora, tipo "o fulano indicou", "o outro está ficando livre". Não usava a análise de dados mais aprofundada.
Você relata a passagem na base. O quanto isso agrega na construção do dirigente?
Agrega muito, é uma escola. Fiquei quatro temporadas. Fomos campeões mundiais com o sub-13, ganhamos a Ibercup, considerado o Mundial da categoria. Tínhamos no time o Nathan Fernandes e o Kauan Kelvin, que acabou saindo na virada do ano. Havia outros jogadores que estão chegando, como o Ígor Serrote, lateral-direito, o João Vitor, goleiro, o Alisson, um extrema que foi chamado pela seleção sub-17. Fiquei na sub-13 de 2016 a 2019.
A sua fama, entre amigos mais próximos, é de que consome futebol 24 horas. O quanto você vive o futebol?
Sempre vi, a minha vida toda, muito jogo. Tínhamos uma turma de amigos obcecada por futebol. Teve um ano em que li 30 livros sobre futebol, dos mais variados temas. Até sobre periodização tática já li. Acredito que entender todo o processo é fundamental. Procedo assim na odontologia, que é minha profissão. Tento conhecer todo o processo, mesmo de etapas nas quais não participarei ativamente. Mas é importante saber do todo para intervir de forma mais rápida naquilo que te demanda fazer. Hoje, assisto a muitos jogos, mas a chegada ao Grêmio me deu ferramentas que propiciam atalhos. Você consegue observar um jogador específico vendo apenas lances inteiros dele. Facilita muito. Foi isso que tentei casar nesta chegada ao clube, de juntar meus dados com os do clube. Você começa a ter visão mais ampla.
Como você montou essa sua lista? Ela vem de quanto tempo?
Fazia listas de jogadores de forma voluntária e entregava para o Romildo Bolzan. Isso ficou famoso na política do Grêmio na época. Considerava oportunidades. Por exemplo, o jogador está com pouca minutagem em um mercado importante, colocava na lista. Mas sabia da situação financeira do clube, das condições para um negócio. Só se estivesse de acordo com isso, ele entrava na lista. Quando o Guerra me convidou para fazer parte do departamento de futebol, passei a fazer a lista de forma mais aprofundada ainda. O Cristaldo e o Carballo estavam nela, antes de serem eleitos melhor meia do Argentino e melhor jogador do Uruguaio. Também passei a me centrar nos mercados argentino, uruguaio e paraguaio.
Quem estava nesta lista e acabou chegando?
Tinha 50 nomes na lista, estavam, por exemplo, o Pepê. Outros nomes vieram pela análise de dados (CDD). Tem até uma história, ainda da época da eleição. Sabia que o Renato jogava no 4-2-3-1 e precisava de volantes de posse e meia central. Mas cheguei com um nome extra... Falei para o Guerra: “Vamos contratar o Carballo e o Cristaldo, e o golaço é tirar o Luís Suárez do Nacional. Ele vai ficar livre. O Guerra reagiu: “Está maluco, o Suárez é impossível? Mas se acha que dá, vamos para cima”. Sempre me deu todo o apoio. Eu que fiz o primeiro contato, através de amigos, consegui o contato do intermediário dele. Costuramos a primeira proposta e levamos para eles.
O perfil definido na lista era de nomes que se encaixavam já na ideia de Renato?
No caso do Carballo e Pepê, acreditava que esses caras iriam mudar a cara do time. O Carballo tinha algo de Arthur, no que diz respeito a mudança rápida de direção, ele limpava o lance, chegava à frente. No Pepê, eu enxergava o Maicon. Conhecia a trajetória dele, o Paquetá tinha sido reserva do Pepê na base do Flamengo. O Franco Cristaldo era o meia com características das quais o Renato gostava, pisava na bola, entrava na área, acionava os pontas. Nunca havia falado com o Renato, mas sabia como ele gostava de jogar. Quando assinamos o contrato com ele, agregou nomes à lista.
Como é para um gremista de 40 anos estar comandando um vestiário com o ídolo Renato e um dos maiores centroavantes do mundo?
Se o cara colocar o torcedor na frente do dirigente, está morto. Não dura três meses. Repeti o que fiz na minha vida profissional, entender bem as pessoas, criar conexões com elas, tratar todo mundo igual, entender bem as pessoas, criar conexões com elas. O Renato é um baita cara, virou um grande parceiro. O segredo é saber como conduzir todos, enxergar caso a caso. Tentei separar o lado passional do racional. Levar tudo como levo na minha empresa ou nas minhas relações pessoais, para que fluísse bem. Tenho facilidade para me relacionar. O segredo é ser leal com os caras.
Você teve dois momentos decisivos nesta temporada, que foram o Caso Suárez, em julho, e os dias que antecederam o jogo contra o Flamengo, no returno. Como foi lidar com isso?
Foram dois momentos importantes, a permanência do Suárez dava uma novela de três anos. Defendi sempre a minha reputação, a do presidente, a do Conselho de Administração e a do Grêmio. Conseguimos mantê-lo, e o ano terminou com ele sendo o jogador importante que foi. O momento do pacto (antes da partida contra o Flamengo) foi o mais importante. Tivemos uma conversa com o Renato, eu, o Luís Vágner e o presidente, e depois tivemos uma conversa com o grupo. Quando você está em um ambiente no qual se confia no que você faz, os caras escutam. Durante o ano, havia tido conversas com todos, muitas individuais. Isso faz com que fique à vontade para apoiar, cobrar. No caso do episódio do pacto, foi com naturalidade. Deu certo. Depois disso, vencemos oito de 10 jogos. Surtiu efeito.
Por que a janela de ano não teve o mesmo sucesso da janela de verão?
Na janela do meio do ano, havia limites orçamentários. Fizemos o possível, com pouco dinheiro. A primeira janela foi a principal, com muitas contratações, havia mais receita. A segunda foi complementar. Conversamos com o Conselho de Administração e entendemos a situação financeira. Foi dentro da nossa realidade naquele momento.
Qual a projeção de reforços para completar o grupo de 2024?
Temos uma base consolidada, construímos algo importante já. Precisamos ser inteligentes e reforçar de forma muito pontual, entender quais foram as carências e tentar tornar o grupo mais forte. Tivemos muitas apostas neste ano, garotos da base e juntamos a eles 19 contratações. Para 2024, talvez cinco ou seis chegadas, se não tivermos mais perdas. Creio que seja um número interessante para começar o ano. Em julho, dependendo de como tudo estiver andando, faremos movimentos novos. A janela de inverno pode ser aproveitada para trazer jogadores que ficam livres na Europa. Inclusive com algo de maior impacto. Estamos monitorando. Se tivermos chances, faremos.