Há cerca de 20 dias, entrou no cardápio do Globoplay e na grade do SporTV a série documental Acesso Total: Botafogo. Vou sugerir aos torcedores ainda incrédulos com queda do Grêmio para a Série B, como eu, que assistam. Nessa produção de altíssima qualidade produzida pelo canal SporTV, há um choque de realidade.
Um mergulho no fundo da alma de um clube rebaixado e, também, uma carona na sua viagem de volta, com câmeras acompanhando desde reuniões a portas-fechadas à comemorações e bate-bocas no vestiário. O Grêmio, aliás, por inteiro, precisa assistir com calma e atenção aos oito episódios do documentário (o quinto entrou no ar nesta sexta). Será uma aula do que enfrentará em 2022 e do quanto deverá ser estóico, resiliente e consciente de que estará em um outro mundo, que não é o seu e no qual se joga um futebol que não é o mesmo da Série A.
Antes de tudo, vamos deixar claro aqui que não se está comparando o Grêmio ao Botafogo. São clubes, hoje, em situações financeiras diferentes. Um está com as contas controladas, o outro deve R$ 1 bilhão e trava lutas diárias pela sobrevivência.
O que tento trazer aqui é a jornada na Série B. E essa, com ou sem dinheiro no caixa, é igual para todo clube grande que enfrenta o rebaixamento. Ou seja, dura, espinhosa e com golpes pesados na auto-estima. Foi o que as câmeras e os diálogos mostraram numa temporada acompanhada do lado de dentro do Engenhão.
Um desses diálogos resume bem o mantra que precisa ser levado para fazer da Série B um rito de passagem apenas. É uma conversa entre o técnico Enderson Moreira e o diretor executivo Eduardo Freeland. Os dois conversam à beira do campo anexo ao Estádio Nilton Santos, enquanto os jogadores aquecem para o treino.
Enderson havia assumido o clube 10 dias antes, na 14ª rodada, com apenas 13 pontos e a 10 do G-4 . A vitória de 1 a 0 sobre o Confiança, no Batistão, em Aracaju, foi sofrida, mas garantiu uma boa estreia e quebrou a série de resultados ruins que tinham derrubado Marcelo Chamusca. Viria o clássico contra o Vasco, dali a dois dias, e Enderson já pensava em como encorpar o time com alguns reforços. Quando a câmera se aproxima, capta o técnico, então bicampeão da Série B, traçando perfil de time ideal para encarar o campeonato:
— Na Série B, cara, você não pode fazer um time de Série B. Se não, você vai amargar com algumas dificuldades. Você tem de um grau de competitividade bom, mas que tenha perfil para uma Série A, entendeu?
Freeland, um jovem dirigente, fez no Botafogo seu primeiro trabalho com uma equipe profissional. Antes disso, acumulava passagens com gerente geral da base no próprio Botafogo, pelo Cruzeiro e pelo Flamengo. Freeland havia contratado até ali 19 jogadores. Garimpou nomes em um mercado que exige conhecimento profundo e critério.
O volante Oyama, o lateral-direito Daniel Borges e o atacante Diego Gonçalves, por exemplo, vieram do Mirassol, em maio, depois de boa campanha no Paulistão. Barreto, volante, veio do Criciúma, em junho. Marco Antônio, 23 anos, era revelação encostada no Bahia.
O caso de Joel Carli é emblemático. Ele havia saído de forma turbulenta do clube em 2020 e com R$ 10 milhões a receber. Foi para o Aldosivi, da Argentina. Para voltar, aceitou reduzir e parcelar a dívida. Um negócio bom para todos. Aos 34 anos, o argentino foi um dos líderes de Enderson nesta volta à elite.
Aliás, os destaques do Botafogo na campanha compõem um bom retrato da montagem do grupo do Botafogo. Havia jogadores buscados no mercado da Série B e apostas, como Chay, oriundo do futsete. Mas também havia crias da casa. O centroavante Rafael Navarro havia passado 2020 à espera de uma chance. O zagueiro e capitão Kanu era oriundo da base, assim como o goleiro Diego Loureiro.