Dorival Júnior começou agosto como campeão estadual, dono de um dos melhores ataques e com o seu Athletico-PR liderando estatísticas do bom jogo. Fechou o mês na rua. Quatro jogos no Brasileirão sem vencer foram suficientes para perder o emprego.
Pouco importou o surto de covid-19 que pegou ele e alguns jogadores. Engajado, o técnico atendeu a coluna e o programa Domingo Esporte Show, para falar justamente da nociva cultura de resultados. Confira trechos da conversa. O papo inteiro vai ao ar na manhã deste domingo (27), na Rádio Gaúcha.
Você deixou o Athletico campeão estadual e depois de quatro resultados negativos. Que balanço faz da sua temporada lá?
É uma temporada atípica para todo mundo. O Athletico perdeu 16 jogadores na transição de 2019 para 2020. Nomes importantes e outros que retornaram de empréstimos. O nível de cobrança aumenta em virtude dos resultados recentes do clube, mas é um trabalho moroso, lento (de reconstrução do time). O principal, que a gente fala que é o trabalho sujo, de reorganização, acabou sendo feito. Não tenho dúvida de que gerará resultado, o Athletico vai refazer seu caminho. Vínhamos de oito jogos invictos, campeões paranaenses. Veio o Brasileirão, até a segunda rodada estávamos com todos. A partir daí, perdemos 12 jogadores, por lesão e covid-19. Veio uma trajetória de quatro jogos muito complicados, o que precipitou a saída. Respeito, não tenho o que ficar argumentando. Acho que o trabalho poderia evoluir muito, em razão do que vinha sendo construído. Mesmo com garotos jovens, dávamos uma resposta.
O filtro em relação à temporada atípica que temos se perdeu com poucos jogos e, por isso, tantas trocas?
Isso não mudará tão cedo aqui. Não falo porque acabei de sair do Athletico. É aquilo que penso como a forma que futebol brasileiro foi conduzido nos últimos 25 anos. Precipita a situação que só se comenta a cada final da rodada a postura, o acerto ou o erro do treinador. Não se fala do trabalho. Ele nunca é conversado, ventilado. São poucos os que o abordam. É uma pena isso. Os clubes e o futebol brasileiro pagam preço alto pela forma como analisamos o trabalho. Uma passagem na verdade, porque não chega a ser um trabalho.
Tite tem levantado a bandeira de defesa do trabalho dos técnicos e voltou a defender a limitação de trocas por clube na temporada. Isso é viável?
É muito difícil. É o que mais defendemos na Federação Brasileira de Treinadores. Você está sujeito a uma semana ruim. Foi o que aconteceu comigo. O Athletico vinha de oito jogos invictos no pós-quarentena, era quem mais fazia gols, o segundo com mais posse de bola e que mais criava chance de gol. Vários dados foram levantados. A cada rodada, um profissional é dispensado. Quando vemos isso, percebemos que dificilmente se mudará algo em curto prazo. Mesmo que criemos amarras. Não sei também se seria positivo. O que espero um dia ver a mudança de quem dirige o futebol.
Há uma cultura muito forte de resultado na análise do futebol?
Tem um peso muito grande a forma como passamos a informação ao público. Acaba comprometendo tudo o que está sendo desenvolvido. Precisamos juntar todo os segmentos, e incluo todos, nós, comissões técnica, dirigentes, imprensa de modo geral, os atletas também, que tem uma participação direta em tudo o que acontece no clube de futebol. Se não houver conscientização maior, seguiremos achando que todos os problemas estão relacionados à permanência ou não de um treinador. Isso tem servido de muleta nos últimos 25 anos. Já dizia isso quando jogava. Todos participam das conquistas, todos são responsáveis por elas, mas poucos se responsabilizam pelos maus resultados. É ai que está o maior problema. Essa responsabilidade tem de ser dividida. Se não tivermos mudança no comportamento de todos os segmentos, dificilmente teremos uma mudança que é rápida e necessária. Continuamos, depois do que nos aconteceu em 2014, caminhando como estávamos antes do 7 a 1. Não percebemos os sinais, que são claros. Pouco se alterou em relação ao que se passava antes de 2014.
A pressão sobre o treinador não inibe sua ousadia? Isso não se reflete no desenvolvimento do nosso jogo?
Se você perguntar individualmente, vou sempre ousar. Coletivamente falando, não tenho dúvidas de que é um fator que inibe o poder de criação do técnico essa ameaça constante de demissão. O resultado do domingo será cobrado de forma tão absurda que o cara buscará o resultado a qualquer custo. Isso impede que ele crie uma situação ou projete uma nova formação ou um novo movimento em campo.
Isso afeta a qualidade do nosso jogo, certamente?
Sim. O treinador não tempo de treinar e também porque joga quarta e domingo pelo objetivo do emprego. Não tenho dúvida de que isso o inibirá a arriscar mais. Isso é fato. Percebemos na qualidade das nossas partidas. Há um outro aspecto: nos últimos 12 anos, cerca de 1,5 mil jogadores deixam o nosso país a cada temporada. Dentro disso, estão os tops de linha, os muito bons, os médios e aqueles jogadores que, com todo o respeito, nem deveriam estar atuando no profissional. Esse número compromete a formação das nossas equipes. Isso não acontecia há 20 anos. Tínhamos grandes times sendo desenvolvidos, com atletas que permaneciam mais tempo
Como você vê a chegada dos técnicos estrangeiros no nosso mercado?
Isso sempre acompanhou o desenvolvimento do nosso futebol. Não é de hoje que recebemos profissionais do mundo todo. O que se debateu é que o ano passado foi positivo para dois treinadores vindos de fora, o Jorge Jesus e o Jorge Sampaoli. Aborda-se essa situação por uma pseudo briga entre brasileiros e estrangeiros. Não tem isso. Eles vieram, foram bem recebidos, são respeitados. É uma troca saudável. O Coudet está aí no Inter, fazendo um bom trabalho, assim como Sampaoli no Atlético-MG e o Domènec no Flamengo. Eles são bem-vindos. É preciso parar com essas picuinhas. Precisamos entender que dentro do país temos ótimos profissionais, que estão preocupados, tentando melhorar o nosso futebol. Vou repetir: precisamos aproximar todos os segmentos do futebol brasileiro e iniciar uma grande discussão. Sem isso, seguiremos patinando. É preciso uma reformulação completa na estrutura. O futebol que temos jogado nos últimos anos está deixando a desejar. Precisamos melhorar.