Para quem nasceu depois dos anos 90, o personagem a seguir é quase uma lenda na história dos Gre-Nais. Por uma simples razão: era um centroavante que na semana dos clássicos anunciava que havia sonhado com gol. Descrevia o lance, concedia entrevistas, apimentava o ambiente do jogo e, no domingo, pimba! Fazia o gol.
Adesvaldo José de Lima, o Lima, é daqueles sujeitos que deveriam seguir jogando para sempre, para evitar que o noticiário de futebol ficasse pastoso e pasteurizado como está nos dias atuais. Foram duas passagens pelo Grêmio, com 18 Gre-Nais e sete gols, e uma passagem pelo Inter.
Aos 55 anos, o ex-centroavante que sonhava com gols em Gre-Nais hoje alimenta o sonho da gurizada em Camapuã, a cidade em que nasceu e na qual começou a jogar no norte do Mato Grosso do Sul. Desde janeiro, é diretor de Esporte do município. Organiza campeonatos amadores e jogos escolares.
Há um projeto, no entanto, que Lima faz questão de acompanhar de perto, fora dos gabinetes. Trata-se da escolinha de futebol da prefeitura, com 96 adolescentes que treinam no estádio Carecão, um dos orgulhos de Camapuã.
O Carecão, contra Lima, está bem conservado e com grama aparada. É o segundo maior do Estado, atrás apenas do Morenão, em Campo Grande. Tem capacidade para 10 mil pessoas - ou metade da população de Camapuã. O projeto de Lima é fazer com que receba em 2018 jogos do Camapuaense F.C. na Segunda Divisão Sul-Mato-Grossense. A base do time sairia dos garotos da escolinha.
O projeto tem um viés social, mas é também comercial. O ex-centroavante criou a empresa L9, para agenciamento de atletas. A partir dela e com a rede de contatos tecida em duas décadas de carreira, ele pretende intermediar os garotos mais promissores. Em julho, Lima trouxe dois deles, de 16 anos, para o Grêmio.
Matheus, um atacante ao estilo Luan, segundo ele, e William, meia canhoto que faz lembrar de Lucas Lima, também segundo ele, passaram alguns dias em Eldorado do Sul. Mas não foram aprovados e voltaram ao Mato Grosso do Sul. A falta de paciência com os guris magoou o ex-goleador.
— Eles (avaliadores do Grêmio) precisam olhar diferente para os meninos. No final, a justificativa que deram é de que não estão na mesma condição física dos demais. Mas não tem como estar, eles vêm de outra realidade. Cria uma situação, complicada, de frustração da expectativa dos meninos — diz.
Lima diz que pretende levar as próximas revelações para o Inter, onde atuou no início dos anos 1990, e para o Santos, onde jogou antes de vir para o Grêmio. Também pensa em colocar os guris no Operário, de Campo Grande, seu primeiro clube profissional.
Mesmo magoado com o tratamento do Grêmio aos guris, o coração do ex-ídolo dele segue azul. Foram duas temporadas, em 1986 e 1987, e mais uma em 1992. O vínculo é tão forte que mantém uma escolinha conveniada do Grêmio em Figueirão, cidade de 4 mil habitantes e distante 100 quilômetros de Camapuã.
- Joguei no Corinthians, no Santos, no Inter, no Benfica. Mas o Grêmio foi o maior clube que defendi no futebol - diz.
A conveniada do Grêmio, a prefeitura e a L9 são hoje as fontes de renda de Lima. A vida hoje, diz, sem pruridos, em nada lembra aquela dos tempos de jogador. Não passa por apertos, é verdade, mas está muito longe dos luxos que fizeram de Lima personalidade em Porto Alegre.
Quando o Lima chegou, passou a ir aos treinos de blazer e calça social. Os jogadores costumavam ir de calção e camiseta.
Lima
Ex-centroavante da Dupla
Nos tempos de centroavante, ele ditava moda nos estádios com cortes de cabelo ousados e roupas compradas em boutiques no recém-inaugurado Shopping Iguatemi. O carro era um flamante Escort XR3 amarelo, o esportivo que acelerava corações naqueles anos 1990. Ou um Monza transformado em Mercedes Benz. Ele se empolga ao lembrar e chega a falar de si na terceira pessoa.
— Quando o Lima chegou, passou a ir aos treinos de blazer, calça social. Os jogadores costumavam ir de calção, camiseta, Houve mudança em relação a isso. Até no corte de cabelo inovei. Queriam saber onde eu cortava e onde comprava as roupas. Eu dizia, vai lá na Leva Jeito, no Iguatemi — conta, aos risos.
O último clube de Lima foi o Brasil-Pel, em 1997, aos 35 anos. Deixou o Bento Freitas e recebeu proposta do América-MG. Quando chegou a Belo Horizonte, os números da oferta haviam baixado. Ele desistiu de jogar. Mas, no hotel do amigo em que estava hospedado, conheceu uma engenheira. Foi paixão imediata. Era para ficar alguns dias na cidade. Ficou quase 20 anos. Com ela, Lima administrou um escritório de engenharia, especializado em projetos de construção de estradas e rodovias. Foram dias bons em Belo Horizonte.
Quando o Atlético-MG de Cuca, o amigo e ex-companheiro na Dupla, ganhou a Libertadores, Lima chorou nas cadeiras do Mineirão. Conta percebeu naquela noite de festa atleticana o quanto o futebol lhe fazia falta. Com a separação, há cerca de quatro anos, voltou para Camapuã e retomou os projetos ligados ao futebol.
Tudo ainda é incipiente, O dinheiro e a fama dos tempos de centroavante ficaram para trás. Ele diz que "houve muitas perdas" financeiras no caminho. As separações e alguns investimentos errados, como uma fazenda para criação de bezerro em Figueirão, um restaurante na zona sul de Porto Alegre e um açougue que chamava de boutique de carnes,. dilapidaram o patrimônio. Mas não lhe tiraram a essência.
Casado, pai de três filhos de relacionamentos diferentes, Lima diz levar uma vida normal. O que não muda em nada, garante. Conta que vem de origem humilde e nunca deixou se levar pela fama. Só conserva a vaidade. O cabelo está sempre bem aparado, e o guarda-roupas, variado. Foi o que restou dos tempos de jogador. Além do costume de sonhar. Antes era com gols, hoje é com o garimpo de craques na Camapuã que o viu crescer.