O jornalista Carlos Redel colabora com a colunista Juliana Bublitz, titular deste espaço.

A Restinga, pela primeira vez, está no mapa da Bienal do Mercosul. Na 14ª edição da mostra internacional, a Estação Cidadania do bairro (Rua Dr. Arno Horn, 221) recebe uma instalação artística. Trata-se da obra Passe Livre, criada pelo porto-alegrense Felipe Veeck.
Cria da Vila Farrapos, o artista de 29 anos, em seu trabalho, propõe imaginários que dialogam com vivências periféricas na Grande Porto Alegre, usando elementos de nostalgia, infância e cotidiano. Por meio de desenhos digitais, incorpora referências visuais de videogames antigos e ilustrações de livros infantis.
E, com Passe Livre, não foi diferente. Para a obra, que tem 48 metros de largura e cinco de altura, o artista trouxe toda a sua bagagem mesclando com a realidade observada no local, depois de algumas visitas e conversas com os moradores. Um ônibus é o elemento central da peça, mas diversos outros detalhes estão presentes, mostrando, através de seu desenho, um pouco do cotidiano da Restinga. O trabalho consiste em uma impressão digital sobre papel.
— Antes de ser convidado para participar da Bienal e criar a obra, eu não conhecia a Restinga, por ser muito afastada — conta Veeck. — É muito importante que possamos ter contato com os bairros e com as pessoas que não estão acostumadas a receber este tipo de trabalho. As exposições no Margs, na Casa de Cultura Mario Quintana e no Santander Cultural, por exemplo, acabam tendo um público que é consumidor de arte. E quando se descentraliza a Bienal, encontra pessoas que não têm este tipo de contato.
Veeck, por sinal, recorda que, após a instalação de sua obra na Estação Cidadania, voltou ao bairro para fazer algumas filmagens e recebeu retornos positivos dos moradores:
— As crianças que estavam lá ficam muito espantadas. Uma delas falou que nunca tinha visto uma obra de arte tão grande daquele jeito. Isso é muito bacana.
Ouvir este tipo de relato, para o artista, é uma conquista, visto que está contribuindo para modificar uma realidade da qual fez parte. Na Vila Farrapos, onde viveu até o ano passado, a arte também não chegava, era um local que nunca entrava nos roteiros das artes visuais.
— Acho que é muito interessante para a comunidade ser vista e incluída. Espero que isso, a partir de agora, ocorra cada vez mais. Inclusive, na Vila Farrapos — diz Veeck.
Primeira vez
A estreia de Veeck na Bienal do Mercosul ocorre em dose dupla. Além da Passe Livre, na Restinga, ele ainda tem outra obra sua integrando a mostra. Trata-se do lambe Projeto Descaso, que está presente na Casa de Cultura Mario Quintana. Nela, aborda a enchente que devastou o Estado, sendo o seu bairro de origem muito afetado, ficando muitos dias debaixo d'água.
Com a sua participação na Bienal, então, completa-se um ciclo, visto que o seu primeiro contato com uma exposição de arte foi justamente na mostra, com um passeio da escola. Formado em Artes Visuais pela Ufrgs, ele desenha a vida inteira.
— É muito gratificante para mim. Eu nem imaginava que receberia o convite para participar da Bienal. Expus pouquíssimas vezes em exposições mais formais, em galeria de arte. E eu achava que a Bienal era uma coisa mais intocada, digamos assim. Mas acabei tendo este reconhecimento pelo trabalho que eu faço, com essa coisa que acaba fazendo com que as pessoas se conectem — avalia o artista.
Com o tema Estalo, a 14ª edição da Bienal do Mercosul ocorre até 1º de junho.