
O maior tesouro que alguém pode ter não é uma conta bancária recheada nem a posição de liderança mais desejada do mundo. Não é dinheiro nem poder. É o domínio do tempo.
Nesse mundo onde tudo é instantâneo e se desmancha no ar, onde produzir e “performar” (para usar o termo horrendo da vez) são mais importantes do que refletir e descansar, perdemos a capacidade de reger a própria vida.
Jantar com os amigos? Fica para a semana que vem. Os exames preventivos atrasados? Terão de ser postergados de novo. Parar para brincar com o filho? Mamãe já vai, querido, só mais um minutinho. Dormir oito horas? Nem pensar!
O tempo, meu amigo, minha amiga, é um dos conceitos mais importantes e ao mesmo tempo intrigantes da física, da filosofia, da história e da poesia, desde a antiguidade até a era pós-moderna.
Não há uma única definição nem mesmo precisão sobre o que é essa abstração que insistimos em marcar na cadência do relógio — e que tanto nos preocupa.
“O que é o tempo?”, quesionou-se Santo Agostinho, pensador da Idade Média, em um de seus escritos. “Se ninguém me perguntar”, respondeu ele, “eu sei; mas se eu desejar explicar a quem me pergunta, não sei.”
Para algumas culturas, o tempo é uma espécie de Deus. Para a nossa, é um paradoxo: tão desvalorizado e preterido quanto necessário e urgente. Ter tempo para si e para os seus é o pote de ouro no fim do arco-íris. É tirar a sorte grande.
Estrela do pensamento filosófico na atualidade, o sul-coreano Byung-Chul Han (famoso pelo conceito de “sociedade do cansaço”) diz que a pausa é “resistência”. Sem ela, “a vida se torna mero desempenho”. Será?
No livro póstumo O Eterno Agora, Antonio Cicero, escritor brasileiro morto em 2024, bate na mesma tecla:
“Não temos mais tempo livre porque praticamente todo o nosso tempo está preso. Preso a quê? Ao princípio do trabalho, ou melhor, do desempenho.”
Talvez essa seja uma das causas da crise civilizatória que vivemos. Metidos em tarefas sem fim, incapazes de refletir com profundidade e absortos nas telas dos celulares, vemos a vida passar e perdemos o melhor. De quanto tempo (!) precisaremos para entender que parar é bom e que não há nada de errado nisso?
Alguns já se deram conta e decidiram entrar para a turma do Jomo. Já ouviu falar dela? Joy of Missing Out é a “alegria de ficar de fora”. É uma resposta ao sentimento de Fomo (Fear of missing out), que segue injetando ansiedade em quem não quer perder nada por medo de ser rejeitado.
Quem diria que o mundo veria um movimento para saltar do Titanic antes do mergulho abissal? É hora de dar ao tempo a relevância que merece. Presenteie a si mesmo e aos seus com algumas horas de atenção. Longe das telas, por favor. Aqui, farei o mesmo.
Dica de leitura
Sugestão de leitura sobre o tempo (e como desacelerar): Devagar - Como um movimento mundial está desafiando o culto da velocidade (ed. Record, 352 páginas). O best-seller do escocês Carl Honoré é a “bíblia” do movimento slow.