Depois de mais de 30 anos levando sua culinária generosa aos paladares mais exigentes do Brasil e do mundo, a chef gaúcha Roberta Sudbrack está de volta às origens.
Famosa por alimentar presidentes da República, reis, rainhas e atletas olímpicos e por ter sido eleita a melhor chef da América Latina, entre outros feitos (leia mais abaixo), a cozinheira acaba de assumir o comando do novíssimo restaurante Ocre, no Wood Hotel, em Gramado, que abre as portas em abril.
Ela também será responsável pelo do bar de charcutaria do empreendimento, outra novidade, e pela curadoria de toda a alimentação oferecida na hospedagem — que em 2025 passou a aceitar apenas hóspedes 14+ e mergulhou no turismo do sono, tendência na hotelaria global (como já mostrei aqui).
É uma baita novidade para a gastronomia e para a retomada do turismo na Serra, depois do baque da enchente de maio de 2024. Foi justamente isso que levou Roberta a aceitar o convite para assinar seu primeiro projeto gastronômico fora do Rio de Janeiro — onde vive há anos e mantém o Sud, o pássaro verde, no bairro Jardim Botânico (a "casinha com mais cara de casa de vó da rua", nas palavras da chef, conhecida pela culinária afetiva).
Para Roberta, a volta ao Rio Grande é o início de uma nova fase, mais perto da cozinha ideal, com alta qualidade técnica, alegria e simplicidade.
Entrevista

Conversei com Roberta por 40 minutos por telefone, no início da tarde desta sexta-feira (14) — ela no Rio, eu em Porto Alegre. Foi um baita papo. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
O novo projeto é um retorno às origens?
Claro. Durante a enchente, fiz um grande movimento entre os chefs brasileiros para ajudar. Aquilo me tocou demais por ser gaúcha. Quando veio o convite (para liderar o Ocre), pensei nisso. É a primeira vez que vou fazer algo fora do lugar onde estou. Na hora, eu disse: vou aí conversar. Eu ainda não tinha ido ao Sul depois da catástrofe climática. Quando cheguei, me contaram que o turismo ainda não tinha voltado, que havia dificuldades, e a Serra foi onde eu me criei. Todo final de semana, eu ia com meus avós, tios e primos a Gramado, para uma casinha que a gente alugava perto do Lago Negro. Então eu decidi aceitar o convite. É realmente um retorno. Esse movimento, de ter a minha comida no RS pela primeira vez, é algo grande para mim.
O que você traz das experiências que viveu fora do Estado? Afinal, não é todo mundo que cozinha para presidentes, reis e rainhas...
Eu sou muito globetrotter. Gosto de ser a primeira. Fui a primeira chef do Palácio da Alvorada, a primeira chef chamada a cozinhar para atletas nas Olimpíadas. E foi incrível. Eu sou assim, sou geminiana, inquieta. Quando o meu restaurante, o Roberta Sudbrack estava no auge, a gente tinha acabado de ganhar a estrela Michelin, e eu falei: não é isso mais, cansei. Aí abri o Sud e a primeira coisa que fiz foi colocar um forno a lenha no meio do salão. Mas o conteúdo está comigo onde eu estiver. São as minhas vivências, aquilo que carrego comigo desde o RS. Gosto de uma palavra que se chama fidalguia, e ela vem comigo desde o RS. A gente chega na casa do gaúcho e sempre sai empanturrado. Sempre tem gentileza, generosidade. Trago isso para a minha comida como algo que vem de casa. A mesa é o lugar mais importante.
Nós nos encontramos em Cambará, não faz muito tempo, e você estava imersa em uma expedição em busca de ingredientes locais para o novo restaurante. O que descobriu?
Passei 12 dias rodando para conhecer produtores. Foi lindo. Além de me dar conteúdo para esse projeto (Roberta conta que já escreveu quatro cardápios!), a experiência me reconectou profundamente com minhas raízes. Um dos motivos que me fizeram mudar todo o meu caminho, quando eu estava no auge, é que a coisa entrou no modo competição. Gastronomia não é isso. É afeto. Óbvio que sou técnica, exigente e até chata na cozinha. Tem um amigo italiano que diz que não sou nem muito chata nem pouco chata, que sou justamente chata. É que técnica e emoção precisam vir juntas, mas houve um momento na gastronomia que isso se rompeu, com todo mundo querendo fazer coisas muito iguais e competindo entre si. Isso arrebentou uma crença em mim, que tem muito a ver com as minhas origens gaúchas. Hoje eu acho que a minha cozinha é muito mais conectada com as coisas em que eu acredito.
Como será a comida do Ocre?
Quero romper a ideia de que uma comida feita com muita técnica e com os melhores ingredientes precisa, necessariamente, estar num ambiente de alta gastronomia. Eu já tive esse ambiente. Hoje, no Sud, eu faço outra coisa. Quero mostrar que é possível fazer uma comida de excelência num lugar descontraído, alegre e sem aquela pompa toda, que já não cabe mais. Mesa é festa. Cheguei à conclusão de que as coisas mais simples são mais interessantes. Eu sempre digo: não vamos transformar o ingrediente no que ele não pediu para ser. Que bom comer uma batata que tem gosto de batata, né? Ou uma carne de alta qualidade assada apenas com sal e pimenta. A gente propõe que o Ocre seja um lugar com essa qualidade e muito festivo, alegre.
E o bar de charcutaria?
Eu perturbei o Rafael (Peccin, à frente do Grupo Casa) e o Luciano (Peccin, pai de Rafael, um dos idealizadores do Natal Luz) para a gente trazer uma máquina de frios, daquelas de manivela, que você corta os produtos na hora. A gente tem embutidos fantásticos que competem com os melhores do mundo. Tem um salaminho de Carlos Barbosa que é incrível. Mas, se você não tem precisão no corte, se não está fininho, não tem o mesmo resultado. A grande estrela do bar serão as charcutarias e essa máquina, que é uma máquina antiga que a gente reformou. Serão 12 embutidos, oito deles do RS e quatro de outras regiões, mas tem mais uma fila imensa. Você precisa ver os queijos. Tenho uma lista para cinco anos! Vamos ter uma seleção de queijos artesanais do Brasil inteiro.
Qual é o seu prato preferido no novo menu?

Iiih... (indecisa) acho que vou ficar com o prime rib de porco caipira. É a parte que pega o lombo e um pouco da barriga, com o osso, e a gente faz à milanesa. Vem com limão bergamota assado no forno a carvão e com a nossa salada de batata, a maionese de gaúcho, numa travessa, como em casa. É um prime rib dos Flintstones, gigantesco.
Quem é Roberta

Roberta Sudbrack é uma das chefs mais renomadas do Brasil, precursora da "nova cozinha brasileira" (sem jamais perder a simplicidade, as origens e o prazer da comida "de casa"). Está radicada no Rio de Janeiro desde 2005, mas passou por muito lugares.
Por sete anos, ela liderou a cozinha do Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, no mandato de Fernando Henrique Cardoso. Detalhe: foi a primeira chef de cozinha da história do Palácio. Na época, alimentou gente como o rei Juan Carlos e a rainha Sofia da Espanha, o então príncipe Charles (hoje rei da Inglaterra), presidentes de inúmeras nações, de Fidel Castro a Bill Clinton e Jacques Chirac.
No Rio, foi Roberta quem lançou as bases do menu degustação que mudava diariamente, conforme os ingredientes mais frescos locais. Ela também foi pioneira ao unir a gastronomia aos conceitos de moda, arte, design, música e literatura.
Em 2012, ela se tornou chef da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Londres e repetiu o feito no Rio, em 2016, criando o cardápio do Time Brasil.
Em 2015, quando completou 20 anos de carreira, foi eleita a melhor chef mulher da América Latina pela revista inglesa '‘Restaurant’'. De lá para cá, acumulou uma profusão de prêmios e distinções. Seu restaurante Roberta Sudbrack, por exemplo, fechado em 2016, chegou a receber uma estrela no badalado Guia Michelin.
Serviço
Ocre Restaurante
Abrirá as portas em 3 de abril e deve funcionar diariamente, das 18h às 23h (o bar de charcutaria será das 15h à 0h). Fica no Wood Hotel (Rua Mario Bertolucci, 48), no Centro, em Gramado. O WhatsApp é (54) 3295 7575. E-mail: reservas@casahoteis.com.br. Mais detalhes em @hotelwoodgramado no Instagram.