O mural ao lado atraiu minha atenção. Das duas vezes em que fui até o abrigo instalado do Parque Esportivo da PUCRS, em Porto Alegre, nesta semana, parei por alguns minutos diante dos desenhos e da frase em letras vermelhas: “O mundo”, anuncia o cartaz, “pode tudo”. Será?
O painel foi pintado por crianças retiradas de casa às pressas. Muitas saíram com a água acima do peito. Uma delas foi Ludiely Rafaeli da Rosa, que conheci no abrigo. Vi o nome dela em três pinturas, inclusive a do cavalo.
Alçado à condição de símbolo de resistência e resiliência frente à catástrofe climática, Caramelo e sua saga impressionaram as famílias flageladas. Como ele, elas também são sobreviventes.
Com a ajuda da amiga Esthefani, Ludiely desenhou um animal bonito e forte, de cabeça erguida, rodeado pela água parda do Guaíba.
— A gente soube da história quando já estava aqui. O pessoal contou — disse a menina, que tem 13 anos.
Perguntei, então, sobre a frase no mural.
— O mundo pode tudo mesmo? Vocês acreditam?
— Pode, sim — respondeu ela, olhando firme nos meus olhos.
Moradora do bairro Humaitá, Ludiely é uma das 258 pessoas acolhidas na PUCRS, onde também encontrei gente como Gabriele Menezes e Neiva Maria das Chagas Vieira. Voluntárias, elas cuidam das roupas de cama e dos cobertores doados como se fossem seus. Não precisavam estar ali, mas estavam, porque (você já sabe) o mundo... pode tudo.
Comecei a acreditar nisso, quando vi seu Enêo Silveira sorrindo, mesmo sem saber o que sobrou da residência submersa.
— Nunca tanta gente me perguntou se estou bem, se preciso de algo — contou o abrigado.
Do futuro, ninguém sabe, mas ainda resta esperança.
Perguntei a Ludiely o que ela quer ser quando crescer.
— Quero ser artista — disse a menina de olhar brilhante, que não perdeu os sonhos.