O jornalista Caio Cigana colabora com a colunista Juliana Bublitz, titular deste espaço
Os comitês das bacias dos rios Gravataí (foto) e Sinos, listados no grupo dos mais poluídos do país, deram nos últimos dias importantes passos para, no futuro, melhorar a qualidade e a disponibilidade da água que corre em seus leitos. Os dois colegiados aprovaram a metodologia para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos da região que abrangem. Tanto para quem capta, como indústrias, agricultores e companhias de saneamento, como para quem polui, jogando efluentes nos rios.
A cobrança é prevista na legislação federal e na estadual. O Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (Comitesinos) é o mais antigo do país, criado em 1988. O do Gravataí é o segundo, instituído em 1989. Mas, apesar do pioneirismo, estão atrasados na cobrança, já estabelecida em algumas bacias do Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
Os recursos serão aplicados em projetos de conservação e recuperação das bacias, definidos pelos comitês, de acordo com as prioridades estabelecidas nos planos aprovados. Podem ser usados, por exemplo, para a construção de estações de tratamento de efluentes (ETEs), recomposição de mata ciliar, monitoramento da qualidade da água ou projetos de educação ambiental nas escolas. O princípio é que os recursos sirvam para a sustentabilidade das bacias. Mas há linhas de corte. Usuários de pequenos volumes ficarão isentos.
– É algo que vai dar segurança jurídica para todo mundo: indústrias, empresas de saneamento e agricultura. Temos 1,3 milhão de pessoas que vivem na região da bacia. Não teremos água para todo mundo e muitos que hoje a usam a transformam em dinheiro – diz o presidente do Comitê Gravathay, Sérgio Cardoso.
A presidente do Comitesinos, Viviane Feijó Machado, observa que a metodologia de cobrança é relativamente simples, a exemplo do setor de energia elétrica, em que a conta é feita pelo quilowatt-hora (kWh). No caso da água, será o preço determinado, multiplicado pela vazão de captação ou pela carga de lançamento. Os mecanismos embutem incentivos para quem tem outorga racionalizar tanto o uso da água quanto o descarte de efluentes.
– O mais importante é que os recursos voltam para a bacia. A água é um bem público. Se alguém está usando, tem que pagar por aquele bem – observa Viviane.
O início do pagamento e quem fará a cobrança ainda são pontos incertos. É uma definição que vai depender do governo gaúcho (veja texto na página ao lado). Como ainda há resistências, é possível que o jogo de pressões leve a implementação da política a se arrastar um pouco.
Apesar de as metodologias terem sido aprovadas, ainda falta definir o valor a ser aplicado. O Comitesinos volta a se reunir na segunda-feira para avançar nessa definição. No caso do Gravataí, a previsão é bater o martelo ainda no primeiro semestre de 2024. Segundo Viviane, para a bacia do Sinos existem estudos que sugerem uma arrecadação entre R$ 10 milhões e R$ 13 milhões anuais. Para o Gravataí, as simulações feitas pelo modelo elaborado por técnicos do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS indicam entre
R$ 3,7 milhões e R$ 5,9 milhões.
Como esquecer a tragédia ambiental de 2006, no Sinos, com a maior mortandade de peixes já registrada no Estado? Ou, ainda neste ano, as imagens da impactante ilha de lixo formada no Gravataí? Diante dos recursos dos orçamentos públicos cada vez mais escassos, surge a possibilidade de os próprios beneficiados por esses rios, que padecem de altas cargas de poluição e onde em tempos de estiagem surgem conflitos pelo uso da água, colaborarem com a recuperação e perenização de dois dos mais importantes corpos d´água da Região Metropolitana.
Após os comitês das bacias hidrográficas do Sinos e do Gravataí aprovarem os valores para cobrança pelo uso da água dos dois rios, as propostas serão encaminhadas ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH). Uma vez chanceladas pelo órgão, a responsabilidade pela implementação passa a ser do governo gaúcho. Para isso, é necessário criar uma agência, que funcionaria como braço técnico do comitê, com atribuições como fazer licitações para obras e implementar a cobrança para os usuários. Uma alternativa que vem sendo adotada em outras regiões é usar um órgão público, ONG ou consórcio intermunicipal já existente como entidade delegatária que teria essas funções.
Cobranças estabelecidas há mais tempo, como em São Paulo, Ceará e Paraíba, ocorreram sem resistências por parte do Executivo. Mas em casos mais recentes governos estaduais foram forçados por determinação judicial, após intervenção do Ministério Público. Os dois comitês gaúchos dizem esperar que a judicialização não seja necessária. E aguardam que mais bacias no Estado avancem na implementação da legislação.