Tive oportunidade de escrever sobre o primeiro disco do grupo Quatro a Zero, Choro Elétrico, manifestando surpresa pela novidade e qualidade do trabalho feito pelos quatro estudantes da Unicamp. Foi em 2005, um ano depois de terem conquistado em São Paulo o segundo lugar no Prêmio Visa de Música Brasileira. Exatos 18 anos depois da formação em Campinas, o Quatro a Zero lança o quinto álbum, Mesmo Outro, com os integrantes originais Daniel Muller (piano, acordeão), Danilo Penteado (contrabaixos, cavaquinho) e Eduardo Lobo (guitarra, violão), mais Lucas Casacio, substituto do baterista e percussionista Lucas da Rosa, que morreu em 2009, abalando o eixo do quarteto fundado também na amizade.
Restabelecido, ressurgiu com o terceiro álbum, Alegria, em 2011. “O grupo é outro e é o mesmo”, resumem, no material de divulgação. Como sempre, o gênero choro não é um ponto de chegada, mas o núcleo do qual partem para suas buscas. Nesse tempo, além de viajar pelo Brasil e pela Europa, o Quatro a Zero fez uma imersão na obra de Radamés Gnattali (1906-1988) e parcerias/estudos com músicos do porte de Joel Nascimento, Nailor Proveta, Toninho Ferragutti e Hermeto Pascoal, ampliando seus interesses, desde o início ligados à diluição das fronteiras musicais. O quarto disco, Concertos Cariocas, com obras de Gnattali, foi feito em 2016 com a Orquestra Sinfônica de Campinas.
Mesmo Outro é seu trabalho mais radical, se é que se pode usar aqui essa palavra – melhor talvez seja inclassificável. Música contemporânea aberta, audaciosa, sofisticada, madura e ao mesmo tempo jovem. Nós e Ele, parceria com Hermeto, inquieta, climática, é um bom resumo. Mas o que dizer das outras sete? Depois do Carnaval (Danilo) abre o disco em tempo de marcha-rancho. Na sequência, incluindo composições de Gnattali e Jacob do Bandolim, choro, samba, baião e até toada caipira, tudo com espírito, pode-se dizer, jazzístico, trazem uma das mais interessantes músicas instrumentais feitas no mundo – não deixo por pouco. Eles são muito bons instrumentistas. E o som do Estúdio Arsis, perfeito.
MESMO OUTRO
- Quatro a Zero
- Fundação de Investimentos Culturais de Campinas
- Distribuição Tratore, R$ 25.
Dimitri Cervo grava com sinfônica da Venezuela
Em 2018, convidado para reger um concerto autoral com a Orquestra Sinfónica de Venezuela, o pianista e compositor gaúcho Dimitri Cervo (Santa Maria, 1968) viveu uma situação incomum em sua carreira, iniciada nos anos 1980. “A vivência dessa experiência, as trocas artísticas e humanas com diversos personagens da sociedade venezuelana, no contexto de um país assolado por uma crise de vasta magnitude, causaram-me forte impacto”, escreve ele no encarte do álbum Música Sinfônica. Tal impacto é nítido nas gravações de cinco peças suas, feitas em Caracas por Danilo Álvares – engenheiro de som vencedor do Grammy Latino em 2017 pelo disco Fiesta, com o maestro venezuelano Gustavo Dudamel.
Já na Abertura Brasil 2012 Bis, a sonoridade da orquestra impressiona pelo rigor e pela coesão, assim como impressiona o extraordinário flautista James Strauss no Concerto para Flauta e Cordas – Série Brasil 2010 nº 5. As outras composições são Canauê – Série Brasil 2000 nº 5, Brasil Amazônico – Série Brasil 2000 nº 1 e Toronubá – Série Brasil 2000 nº 4, selecionadas entre as mais de 70 obras de Cervo tocadas por orquestras, conjuntos e solistas ao redor do mundo e que fazem dele um dos mais importantes compositores brasileiros contemporâneos. Para o historiador e melômano Francisco Marshall, em texto no encarte, o disco mostra “a força da grande música na obra de um mestre em seu apogeu artístico”.
MÚSICA SINFÔNICA
- Dimitri Cervo e Orquestra Sinfónica de Venezuela
- Independente
- Distribuição Tratore, R$ 39.
Antena
RELLYCÁRIO
De Killy Freitas & Renato Sperb
Depois de dois álbuns individuais cada um, os compositores, cantores e violonistas Killy e Renato unem neste disco suas vozes e instrumentos. Filhos de Santa Cruz do Sul, onde também vivem quando não estão na estrada, ambos começaram nos anos 1990 na banda Íris Ativa. Killy foi o primeiro a partir para a carreira solo (em seu disco anterior, de 2014, ele canta parcerias com o chileno Antonio Skármeta).
As músicas de Rellycário foram compostas ao longo dos últimos 10 anos, conjugando pop rock e MPB com algum tempero gaúcho, como a milonga. São canções fortes, benfeitas, e interpretações marcantes. Killy também toca guitarra e a banda se completa com Rodrigo Sperb na bateria, Vicão no baixo e Robson Bitencourt nos teclados. Participações especiais de Veco Marques e do uruguaio Dany Lopez.
Show de lançamento no dia 11 de outubro no Clube de Cultura de Porto Alegre (Rua Ramiro Barcelos, 1.853), às 20h30min.
O PIANEIRO CHORÃO
De Marco Bernardo
Pianista e arranjador paulistano de larga trajetória, com vários discos ligados ao choro e sua história (como o definitivo A Integral dos Choros para Piano de Radamés Gnattali, de 2011), Marco Bernardo destaca-se também na pesquisa musicológica, sendo autor de biografias de grandes chorões.
Neste álbum, gravado 10 anos atrás e ainda inédito, ele mergulha em seu território favorito, tocando como os ancestrais pianeiros um repertório de puros clássicos, como Flor Amorosa (Silva Callado), Gaúcho (Chiquinha Gonzaga), Expansiva (Ernesto Nazareth), Rosa (Pixinguinha), Jura (Sinhô), Branca (Zequinha de Abreu), Noites Cariocas (Jacob do Bandolim) e, entre outras, Pedacinhos do Céu (Waldir Azevedo). Maravilha pura.
SOLO
De André Siqueira
Paulista de nascimento, mineiro de formação e paranaense de adoção (leciona na Universidade de Londrina), André Siqueira é um multi-instrumentista de cordas, notabilizado mais como violonista e arranjador.
Solo é seu quarto álbum, o primeiro só de violão, no que comprova ser um dos mais brilhantes do país — sua pegada energética, aliada à variedade de timbres dos arranjos para violão de seis cordas e violão barítono, resulta num estilo bem próprio.
O roteiro do disco é amplo, começando com a folclórica Mamãe Oxum, passando por Dança do Corrupião (Edu Lobo), Sons de Carrilhões (João Pernambuco), Cantiga (Marlos Nobre), Feia (Jacob do Bandolim), Senhorinha (Guinga), Oceano (Djavan) e a autoral Suite Estrela Guia.