Nunca se falou tanto em viola, no Brasil, como nos últimos 20 anos. Não por outra razão, a viola vem sendo objeto de discos, festivais, livros, estudos acadêmicos. De que viola se trata? Do instrumento de 10 cordas popularizado como viola caipira.
Mas que transbordou do universo caipira propriamente dito, das duplas como Tonico e Tinoco, para marcar toda uma diversificada geração de artistas dedicados à música de raiz, de Almir Sater a Paulo Freire, e se abrigar até em grupos pop, vide Moda de Rock e Matuto Moderno. Sem falar da volta à cena em lugares como o Rio Grande do Sul, onde estava esquecida há um século e hoje conta com cada vez mais adeptos, como Valdir Verona e o grupo Chão de Areia.
Mineiro radicado há um tempão em Brasília (é professor da UnB), Roberto Corrêa tem dedicado a vida a contar a história da viola no Brasil e acompanhar as transformações. Seu quarto livro, o recém lançado Viola Caipira: Das Práticas Populares à Escritura da Arte, é o mais completo de todos, valendo desde já como talvez a principal referência do tema.
Resulta da tese de doutorado defendida na USP em 2014 e movida, entre outras coisas, pelo que Roberto designa como o “avivamento” da viola a partir dos anos 1960 e o “estabelecimento do avivamento” a partir da década de 1980. Cabe dizer que, violeiro consagrado em 40 anos de carreira e 19 discos, ele poderia ter seguido só para esse lado do palco. Mas não.
O vício da pesquisa move o conhecimento da História. Roberto jamais se livrará dele. E, graças a ele, sabemos mais. Minucioso, mas objetivo e sintético, traça o panorama da viola no país desde o período colonial até, digamos, ontem de manhã. Relaciona, no devido contexto, todos os mentores dessa história. Entre tantos detalhes, não fica sem resposta nem a pergunta “onde a música caipira virou música sertaneja?”. Estão no livro fotos de dezenas de violas de diferentes épocas e luthiers, partituras, capas de discos marcantes – inclui, por exemplo, o histórico LP Danças Gaúchas, de Inezita Barroso, 1956. Tudo em linguagem clara, sem academicismos, sempre dando vontade de seguir adiante.
Dois discos com o som do violeiro Ivan Vilela
Nascido em Minas Gerais, mas com a maior parte da carreira desenvolvida em São Paulo (formou-se na Unicamp, leciona na USP), Ivan Vilela é grande referência no estudo, pesquisa e composição para a viola caipira – à qual se dedica desde 1995. Aparece agora em dois discos que reforçam as extensas possibilidades do instrumento: Encontro, ao lado de Benjamim Taubkin, e A Força do Boi, com a Orquestra do Estado de Mato Grosso.
No primeiro, ele e Taubkin conduzem um extraordinário diálogo entre a viola e o piano, desfazendo fronteiras entre popular e erudito, em fulgurantes composições dele (como Sertão), de Taubkin (como Caipira) e de Milton Nascimento (Cravo e Canela, Milagre dos Peixes). De chorar.
Gravado em 2014, A Força do Boi é o primeiro álbum de Vilela em parceria com uma orquestra e, lamentavelmente, o último do notável trabalho do maestro Leandro Carvalho à frente da Orquestra do Estado de Mato Grosso, criada em 2005 e extinta em 2018, deixando 17 CDs e quatro DVDs dedicados à música brasileira. Carvalho pediu a Vilela composições próprias e clássicos da música caipira.
Entre as primeiras, a que dá nome ao disco e Sertão, acima citada. Entre as outras, Tristeza do Jeca (Angelino de Oliveira) e Saudade de Minha Terra (Goiá e Belmonte). A junção de viola e orquestra (21 integrantes) é, também, arrepiante; um trabalho que não tem preço, definitivo, para ser replicado por outras orquestras e violeiros.
Antena
SAGRAÇÃO, de Chico Lobo e Wander Lourenço
Mestre da viola mineira, grande difusor do instrumento no Brasil, cerca de 20 discos lançados desde 1997 (só e em parcerias), Chico Lobo ficou encantado ao ler os poemas do fluminense Wander Lourenço inspirados na obra de Guimarães Rosa. E resolveu musicá-los. “Ao me deparar com a religiosidade metafórica naquelas paragens aventadas pelo poeta, constatei que não bastava a viola seca e solitária”, diz Chico em texto sobre o novo álbum.
“A intuição pedia unir o cancioneiro popular da viola caipira com a erudição do violino e do violoncelo para que a cerimônia de cordas e trovas findasse em sagração e mergulhasse no universo roseano.” Então, chamou para estarem com ele o violoncelista Sérgio Rabello e a violinista Leise Renhe, da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Com essa união de poderes, mais cantores convidados como Simone Guimarães, Bruna Moraes e Sérgio Santos, o resultado é deslumbrante. São 10 canções de telurismo puro e sonoridade de impacto instantâneo, tornando quase visíveis, como pretendeu Chico, “as veredas, os serrados, os chapadões e os igarapés dos sertões das Minas Gerais”.
45 ANOS AO VIVO: Da Banda de Pau e Corda
Chico Lobo é um dos convidados deste disco, 11º dos 45 anos de carreira do grupo pernambucano, primeiro gravado ao vivo (em Belo Horizonte, pois em Minas está um de seus públicos mais fiéis). A Banda de Pau e Corda surgiu no início dos anos 1970, época efervescente em Recife, que deu origem também ao Quinteto Violado – por coincidência, os dois grupos são liderados hoje pelos únicos remanescentes das formações originais; no caso da Banda o cantor e compositor Sérgio Andrade.
Conhecido pelo cuidado poético, o grupo conquistou admiradores influentes como Ariano Suassuna e Gilberto Freyre. O novo álbum é retrospectivo, reunindo canções de várias épocas, como Flor d’Água, que foi trilha da novela Maria, Maria (1978). A maioria tem letras dos irmãos Sérgio e Roberto Andrade (este falecido em 2017) e músicas de Waltinho. De outros autores são os sucessos O Trem Tá Feio (Tavinho Moura/Murilo Antunes) e Pelas Ruas do Recife (Marcos Valle/Paulo Sérgio Valle). Com arranjos coloridos e vocais apurados, a Banda de Pau e Corda faz uma viagem pela projeção folclórica nordestina em temáticas e ritmos.