
"Quando a realidade se faz tão real, tão objetivamente concreta como em Elomar Figueira Mello, ela chega a ganhar ares fantásticos. É inacreditável que exista essa figura, esse homem que renegou a cidade e a profissão de arquiteto para transformar-se em um sertanejo do interior baiano, criando cabras e fazendo música em uma fazenda às margens do insondável Rio Gavião".
O parágrafo acima eu escrevi em 24 de junho de 1980, ao comentar o disco Na quadrada das águas perdidas, segundo de Elomar, então com 41 anos e visto como um fenômeno na música brasileira. Seu surpreendente trabalho revelava um criador do tipo raro mostrando um estranho Nordeste, um mundo lírico, sonhador, místico, onde a caatinga coexiste com a memória medieval ibérica que impregnou a região. Passados 36 anos, e há 13 sem se apresentar em Porto Alegre, o Elomar que canta amanhã às 21 horas no Salão de Atos da Ufrgs, ao lado do filho João Omar, traz suas mesmas antigas novidades. Não, o repertório não é o mesmo; o universo em que ele brota, sim. Já as preocupações com o País ficaram mais agudas, como manifesta nas 320 páginas do livro A era dos grandes equívocos, que lança hoje às 18 horas no bar Parangolé. É uma antevisão obscura sobre o futuro do Brasil.
Desde sempre a criação de Elomar tem um forte componente melancólico, de reação à rapidez das transformações sociais e econômicas, aos modismos, ao culto do vazio e do supérfluo. Para amenizar o sentimento de perda, ele cria e recria histórias que não fazem concessão ao fácil. Há um bom tempo deu por encerrada a composição de canções como as que marcaram os primeiros discos, investindo em uma obra de caráter erudito, com escrita sinfônica e operística. Sob a forma de árias, parte dessa obra veio sendo mostrada nos concertos como Pluro, que ele traz a Porto Alegre - mas cerca de 90% dela ainda é inédita. No concerto de amanhã, João Omar tocará peças de Elomar para violão clássico partindo de ritmos nordestinos. Riachão do gado brabo é o título do derradeiro disco de canções inéditas de várias épocas, que deve sair este ano. As próximas gravações já trarão óperas como a recente Peão mansador.
PLURO
Concerto de Elomar e João Omar.
Amanhã às 21 horas no Salão de Atos da Ufrgs (Paulo Gama, 110), ingressos R$ 70 e R$ 140 na bilheteria do Teatro do Bourbon Country, em www.ingressorapido.com.br e na hora, no local.
Hoje, às 18 horas, no bar Parangolé (Lima e Silva, 240), lançamento com autógrafos do livro A era dos grandes equívocos.
Glória Iriart canta gaúchos

Chama-se Flor o segundo álbum disco de Glória Iriart. Ela vem de longe, mais precisamente do Clube do Guri (o programa que revelou Elis Regina), onde começou a cantar em 1959. Depois foi contratada na Rádio Gaúcha e por mais de dez anos atuou no Rio de Janeiro, até retornar em 1979 para cuidar da mãe e abandonar a carreira. Em 2006, Sérgio Napp convidou-a para participar de projetos da Casa de Cultura Mario Quintana e daí não parou mais, lançado o primeiro CD em 2012. "Através desse trabalho percebemos o quanto havíamos perdido durante o seu eclipse", escreveu Napp.
O novo álbum tem produção musical, arranjos e piano de Luís Henrique "New", mais os músicos Ricardo Arenhaldt, Éverson Vargas, Vagner Cunha e James Liberato. Com um timbre vocal do tipo clássico, treinado da canção romântica, Glória interpreta somente autores gaúchos. Tem as inéditas Deserto (Napp/Cláudio Vera Cruz), Se você quiser saber (Nico Nicolaievsky) e a ancestral A menina que eu amei (Zé Gomes/Ivette Brandalise), ao lado dos sucessos Flor (Nico/Sílvio Marques), Feito um picolé no sol (Nico), Cordas de espinho (Luiz Coronel/M.A. Vasconcellos) e, entre outras, Bonsai (New/Luís Mauro Vianna).
FLOR
De Glória Iriart
Independente, R$ 20. Informações (51) 3329-3839. Show de lançamento 21 de julho às 21 horas no bar Sgt. Peppers.
AIRES DE FRONTEIRA
De Ernesto Fagundes

Em 2010, Ernesto mergulhou na gênese do bombo leguero, gravando no interior de Santiago del Estero, Argentina o vigoroso documentário Origens, dirigido por Rene Goya Filho e lançado em DVD no ano seguinte. Foi um trabalho em tudo exuberante, com as cores da terra, da madeira, do couro e dos índios que há gerações produzem o instrumento de percussão símbolo da música folclórica pampiana. Com o mesmo diretor, ele agora lança o DVD com a gravação ao vivo no Teatro do Sesc, em Porto Alegre, do show Crioulo, relativo ao disco de 2014 em que musicou letras de Antonio Augusto Fagundes (1934-2015). O resultado é o que se poderia chamar de música regional de câmara, apenas Ernesto, sua voz, seu bombo e a força das letras, ao lado do violão do mano Paulinho Fagundes e do bandonéon do argentino Martin Sued, ambos ótimos. Sério, centrado, acentuando ares platinos sob uma iluminação de meios tons, o trabalho reforça a posição de Ernesto na música rio-grandense e não apenas a regional. São 13 canções de ritmos variados, com a zamba aparecendo três vezes, uma delas em La Negra, homenagem a Mercedes Sosa. Tem chacarera com letra em espanhol (Martin Fierro), milonga (A marca do fogo), vaneira (Galpão Crioulo) e até um malambo com o título de... Malambo. Estação Filme, R$ 24,90, nas lojas Multisom.
BAGUALLES
De Juan Daniel Isernhagen
Disposto quase a refundar a música campeira gaúcha, o jovem escritor e compositor santa-mariense radicado em Balneário Camboriú chega com este DVD à nova etapa de um trabalho iniciado nos festivais nativistas. Em 2014, ele lançou o livro Bagualles - Um canto de amor à terra, que define como "um romance regional, crítico e campeiro" - são 350 páginas mais um CD. Saindo agora, com o mesmo título, o DVD foi gravado ao vivo no Teatro Municipal de Balnerário Camboriú com a participação de quase vinte intérpretes rio-grandenses e catarinenses. São 16 letras de Isernhagen musicadas por Sabani Felipe de Souza, Zulmar Benitez, Juliano Moreno e outros menos conhecidos. A palavra "bagual" pode sintetizar o estilo/espírito da obra de forte ideologia gauchesca, que tem títulos como Me apresento: Rio Grande!, Pelas cores do meu pago em flor, A crioula identidade, Herança das tropeadas, Fiadores da pampa e Carretas de puro cerne. Acompanhados por quarteto de violões mais acordeão, sublinham as ideias de Isernhagen cantores como Luiz Marenco, Joca Martins, Cristiano Quevedo, Ita Cunha, Xiru Antunes, Juliano Moreno e Marcelo Oliveira. Produção independente, R$ 29,90, à venda em lojas virtuais e pelo e-mail obrabagual@gmail.com.