A inclusão da autoestima no conceito global de saúde é uma conquista da sociedade contemporânea. Na época da residência, era frequente que jovens com defeitos congênitos da parede torácica fossem avaliados quanto à funcionalidade cardíaca e pulmonar e, diante de resultados normais, o que era a regra, recebessem o comunicado da contraindicação cirúrgica, face aos exames que, no imaginário de quem não tinha o problema, deviam ser festejados.
Foi um avanço conceitual o entendimento de que, nesses casos, a cirurgia não assustava porque continha uma barganha digna e justa na direção da normalidade. Quando se entendeu como doente quem se sentisse diminuído em relação aos seus pares, a ponto de comprometer seus sonhos, ambições e fantasias, estava criado o cenário que impulsionou a cirurgia estética/reparadora. Já tive pacientes com problemas na iniciação sexual, constrangidos pelo receio de serem considerados como aberrações, e houve até quem tomasse banho de chuveiro com camiseta porque, justo na saída do box, havia um espelho de parede.
O Serginho tinha 15 anos quando veio para uma consulta, desacompanhado. A pressa em tirar a blusa para que eu visse logo o tamanho do defeito tinha a urgência de quem precisava agudamente de um aliado, não para justificar a cirurgia, porque essa era a sua pretensão desesperada, mas para enfrentar a resistência do pai que, segundo ele, se negara a discutir o assunto. “E a sua mãe, o que pensa disso?”. Ele encheu os olhos para contar que a mãe tinha morrido e, desde então, o pai tratava de ser as duas coisas.
E aí transpareceu o belo garoto que ele é e que, numa condição ideal, eu adotaria:
“O problema, doutor, é que eu não posso de jeito nenhum magoar meu velho porque ele é o melhor pai do mundo. Aí, um dia desses, eu li uma das suas crônicas no jornal e pensei: bem que este doutor podia me ajudar a despertar no meu pai a falta que me faz a minha mãe!”. Resisti a abraçá-lo. Com dificuldade.
Combinamos, então, uma estratégia que deveria funcionar, sem gerar ansiedade exagerada, mas se bastar para trazer o pai na próxima consulta.
Dias depois, o garoto baixou os olhos enquanto ouvia o relato do pai preocupado com a possibilidade de que aquele afundamento da parede torácica do menino pudesse afetar o desempenho do seu pulmão. Antes de comentar a improbabilidade de que isso fosse verdadeiro, pedi ao Serginho que descrevesse o que aquele defeito significava para ele. Então, me dei conta do quanto aquele discurso já viera ensaiado. Qual um bacharel experiente, empertigado, olhando diretamente para o pai, descreveu o horror de cada sessão de educação física e o desespero de conviver com o olhar crítico dos coleguinhas ao vê-lo sem camisa. Então, o pai, visivelmente emocionado, questionou: “Mas não é possível que a medicina tão avançada não tenha um recurso para corrigir este defeito! Doutor, por favor, nos ajude!”.
No final da consulta, com tudo acertado, o Serginho ria e chorava, e o pai, meio sem entender, só se emocionou quando o filho disse: “A minha mãe também chorava quando ficava muito feliz!”. Seguiram abraçados pelo corredor, e claramente cabia mais gente naquele abraço. Fechei a porta com a certeza de que, agora, aquela dupla tinha a mais doce companhia na volta para casa.