Qual a lei em vigor no Brasil que permitiria ao ministro Alexandre de Moraes, sem o apoio de processo legal algum, apreender os passaportes e bloquear as contas bancárias dos jornalistas Rodrigo Constantino e Paulo Figueiredo? Não é uma decisão judicial, tomada depois de terem sido observados os requisitos processuais que a lei exige para se reter o passaporte ou bloquear a conta de um cidadão no banco; é um despacho pessoal do ministro, que não presta contas a ninguém. As vítimas também não têm a quem recorrer; só podem apelar ao próprio ministro que decretou as punições, uma aberração que obviamente não serve para nada em termos práticos.
O fato é que brasileiros estão sendo punidos por crimes que não existem na lei
A Justiça brasileira, que sempre se mostra tão compreensiva com os criminosos, não permite que se faça nada disso com traficantes de drogas ou salteadores de cargas, por exemplo – os acusados, aí, têm direito às mais extremadas garantias da lei. Só podem ter suas contas bancárias bloqueadas se ficar provado, perante o juiz, que o dinheiro ali guardado foi obtido pela prática de crime – e pode ser usado para cometer novos delitos. Só podem ter os seus passaportes cassados se ficar provado que querem fugir do país para escapar à Justiça. Mas nem Constantino nem Figueiredo tiveram o mesmo direito. Não há o mais remoto sinal de que o dinheiro que têm em suas contas no banco tenha vindo da prática de algum crime; qual crime, então? O ministro deveria dizer quais os artigos do Código Penal brasileiro eles violaram – ou qual outra lei, qualquer lei, foi desrespeitada por ambos.
O fato é que brasileiros estão sendo punidos por crimes que não existem na lei. Ninguém, nem no STF, consegue dizer o que é um “ato antidemocrático” ou o que é “desinformação” – e se você não pode descrever exatamente um crime (“tipificar”, como dizem os juristas), esse crime simplesmente não existe. A desculpa geral é de que os interesses da “democracia”, supostamente defendida por Moraes e ameaçada por quem ele persegue, estão acima da lei escrita. Por esta maneira de ver as coisas, o ministro foi santificado pela imprensa brasileira; tornou-se, hoje, uma espécie de Tiradentes, ou coisa parecida. Ele salvou a “democracia”, dizem os jornalistas. Salvou o “Estado de direito”. Salvou o Brasil de Jair Bolsonaro. Salvou o Brasil do “fascismo”. Salvou isso. Salvou aquilo. Nunca antes, em toda a história nacional, alguém salvou o Brasil de tanta coisa.
Só pode continuar assim, e cada vez mais.