Invadida há dois anos por tropas russas, a Ucrânia realizou nos últimos 10 dias uma contraofensiva inédita. Ocupou com mais de mil militares, 30 blindados e centenas de drones uma parte da Rússia, na região de Kursk, situada poucos quilômetros da fronteira. Uma ação estilo blitzkrieg que pegou o inimigo de surpresa.
Por enquanto, só uma cidade fronteiriça com 5 mil habitantes, Sudja, foi ocupada — e o presidente ucraniano Volodimir Zelensky promete que será administrada pelo seu governo. Mas outras 74 vilas foram tomadas e não só em Kursk, mas também na vizinha província de Belgorod. Ambas declararam estado de emergência.
A ofensiva ucraniana provocou a fuga de 121 mil russos e resultou na captura de pelo menos cem militares da Rússia (algumas fontes falam em mil), que devem ser usados em futuras trocas de prisioneiros. A debandada de civis e o aprisionamento dos soldados foram documentados em vídeo. Sudja também é estratégica por ali cruzar o principal gasoduto que conecta o território russo aos países da União Europeia.
A região de Kursk foi cenário da maior batalha de tanques da história, envolvendo 6000 blindados russos e alemães. A vitória, na Segunda Guerra, foi russa e resultou no recuo da ocupação germânica na Rússia.
Agora acontece fenômeno inverso, com os russos recuando, ainda que temporariamente. É uma fenomenal ação de propaganda da Ucrânia, que lembra a bíblica luta de David contra Golias (a saga do jovem judeu que derrotou um gigante filisteu). Afinal, as Forças Armadas ucranianas equivalem a um quinto do contingente russo.
A diferença, abissal, é que na Bíblia o Golias foi morto com uma certeira pedrada desfechada por Davi. Nos tempos atuais, a gigantesca Rússia está longe de ser derrotada. Os ucranianos tomaram pouco mais de 1 mil quilômetros quadrados do território russo, área equivalente ao dobro Porto Alegre. É uma ocupação simbólica, um tabefe na cara do presidente russo Vladimir Putin. Vai durar?
É importante lembrar que os russos ocupam 17% do território ucraniano, numa ofensiva que começou em fevereiro de 2022. A ideia de Zelensky é forçar Putin a devolver parte das terras e cidades da Ucrânia, em troca do naco da Rússia tomado agora pelos ucranianos.
A questão é fôlego. A Ucrânia tem enorme carência de soldados. Grande parte deles morreu ou foi gravemente ferida nesses dois anos de combates intensos. As potências europeias e os EUA têm ajudado os ucranianos com equipamento bélico e estimulado a ação de voluntários estrangeiros (que Putin chama de mercenários) para lutar contra os russos. Mesmo assim, continua sendo a luta de uma pequena nação contra um vizinho gigante.
É improvável que a ocupação ucraniana dure muito. Num primeiro momento, os russos devem deslocar tropas que ocupam a Ucrânia para defender seu próprio território e está claro que Zelensky pode lucrar com isso. É um respiro. A questão é por quanto tempo a Ucrânia conseguirá sustentar-se em terras estrangeiras, já que está ocupada numa luta pela própria sobrevivência. O mais provável, no xadrez geopolítico, é que seja tudo usado como moeda de troca. Resta saber se alguém irá blefar nessa cartada.