Com três meses de ocupação russa, a Ucrânia pode considerar perdido um grande naco do seu território. A tomada de Mariupol, importante cidade portuária junto ao Mar de Azov, significa para os russos a unificação sob seu domínio político de um extenso território (até pouco tempo atrás, ucraniano) com milhares de quilômetros, que vai da Crimeia ao Donbass. Uma ponte terrestre a ligar os ucranianos de origem russa, que simpatizam mais com o regime de Moscou que com o de Kiev.
Desde 2014 esses rebeldes de origem russa minavam (literalmente) as regiões de Donetsk e Lugansk, bastiões ucranianos no leste do país, junto à Rússia. Agora, com o apoio do exército russo, estão prestes a tomar o poder naquela área. O que significa isso na prática? A Rússia e seus simpatizantes se apossarão de minas de sal, de carvão, de ferro e outros minérios vitais para o complexo industrial. É a virtual anexação à "Mãe Rússia" de um território que foi povoado pelos cossacos ucranianos vindos da bacia entre os rios Donets e Don (daí o nome da região, Donbass).
Nesse quesito é inquestionável a vitória do neoczar russo Vladimir Putin. Talvez fosse esse seu principal objetivo desde o início, debaixo da retórica antinazista e de ajuda aos ucranianos de origem russa supostamente oprimidos pelo regime de Kiev.
Só que a virtual conquista do Donbass — ainda não plena, porque Donetsk e Lugansk ainda permanecem sob controle ucraniano — se deu a ferro, fogo e corpos. Muitos. Mariupol foi reduzida a ruínas, excetuada a região do porto, poupado para que os russos possam utilizá-lo. Teatros, escolas e prédios residenciais foram arrasados, com seus ocupantes dentro.
Nesses três meses de guerra, a Rússia avançou territorialmente, mas ganhou o ódio da maioria dos ucranianos, que resistem muito mais do que o esperado mundialmente. E, em paralelo, o governo russo perdeu os corações e mentes dos europeus — além de muito dinheiro. Virou pária no sistema de crédito planetário. Valeu a pena? Putin deve cuidar para não ter uma vitória de Pirro, um líder de um povo adversário dos romanos que os derrotou duas vezes, mas a tão alto custo que seus exércitos sofreram perdas irreparáveis. "Uma outra vitória como essa me arrasaria completamente", teria definido o vencedor. Será que o governo russo lembra dessa história?