
A maré anti-PT que elegeu Jair Bolsonaro em 2018 teve sustentáculo maciço entre integrantes do aparato de segurança federal e estadual, além de seus familiares. De lá para cá, a onda refluiu.
No âmbito dos policiais federais, após a demissão do ministro Sergio Moro (da Justiça) e a aproximação do presidente com políticos do centrão, que foram alvo da Operação Lava-Jato. Nas Forças Armadas, com a insistência bolsonarista em fundir sua imagem com a da credibilidade do Exército — o que resultou em rusgas e culminou na demissão dos chefes das Forças Armadas.
É por isso que o bolsonarismo busca nas Polícias Militares estaduais reagrupar forças. Os slogans presidenciais contra o banditismo, as críticas permanentes ao Judiciário e as receitas simples para problemas complexos agradam a muitos policiais. Não por acaso, os maiores protestos de PMs que espocam em cinco Estados são estimulados por simpatizantes de Bolsonaro.
Na Bahia, a morte do soldado Wesley Santos (que, num surto psicótico, atirou contra os próprios colegas) foi anunciada por deputados bolsonaristas vindos da Polícia Militar como consequência da “revolta” do policial contra o governador Ruy Costa (PT). O motivo seria a ordem para reprimir comerciantes que não fecham seus estabelecimentos durante a quarentena do coronavírus. Não há provas de que o soldado se amotinou por isso, mas a versão se espalhou.
A mesma versão estimulou protestos de sindicalistas da PM e deputados contra os governadores do Espírito Santo, Renato Casagrande, e de Pernambuco, Paulo Câmara, ambos do PSB.
No Ceará há apoio, entre militantes bolsonaristas, para retomada do amotinamento de PMs que enfrentaram o governador Camilo Santana (PT) no ano passado. Ele é aliado de Ciro Gomes (PDT), adversário político de Bolsonaro. O motivo, agora, seria o virtual lockdown pelo qual passa o comércio daquele Estado.
Situação semelhante acontece no Sergipe, onde o governador João Azevedo (Cidadania) experimentou uma greve de PMs em 2020 e agora é hostilizado por policiais bolsonaristas pelo “toque de recolher” nas praias, por conta da pandemia.
Note-se que, com exceção de Sergipe, todos os outros focos de agitação nos quartéis ocorrem em locais governados por adversários do presidente. Mas, e no Rio Grande do Sul, onde o governador Eduardo Leite (PSDB) foi lançado por correligionários como candidato ao Palácio do Planalto, em oposição a Bolsonaro?
O vagalhão de protestos policiais ainda não chegou. E não é por falta de bolsonaristas, já que o presidente colheu 63,24% dos votos no RS e venceu em 407 dos 497 municípios em 2018.
Ouvimos o presidente da Associação Nacional de Entidades Representativas de PMs e Bombeiros Militares (Anermb), Leonel Lucas, que é gaúcho e PM da reserva. Ele cogita alguns motivos pelos quais a onda grevista de policiais não chegou ao Rio Grande do Sul e o porquê de o apoio maciço dos policiais a Bolsonaro já não ser unânime:
1 – Modificações previdenciárias, com tolerância da base governista, desagradaram a categoria policial.
2 – A eventual coibição de comércio aberto no RS é feita por guardas municipais, sem muito desgaste dos PMs.
3 – O Ministério da Segurança Pública, antiga reivindicação policial, foi extinto por Bolsonaro.
Outro fator, não mencionado por Lucas, talvez contribua para que os ânimos não estejam exaltados no Rio Grande do Sul: os concursos e o reaparelhamento das polícias vêm ocorrendo. Mas os PMs estão preocupados com a falta de modernização do seu plano de carreira. Uma mobilização sindical por esse motivo é uma probabilidade muito maior do que as que hoje sacodem a militância bolsonarista nos quartéis Brasil afora.