
O governo brasileiro pretende enviar ainda no primeiro semestre uma comitiva para visitar todas as principais empresas interessadas no leilão da telefonia 5G no país. A viagem será encabeçada pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, e contará com a presença de militares e integrantes do Tribunal de Contas da União. A China, com quem o governo Jair Bolsonaro mantém tensão ideológica e constante troca de farpas, é um dos principais destinos da caravana, até porque detém a tecnologia mais avançada nesse tipo de transmissão de dados.
Caso se concretize, será uma reviravolta diplomática. Todos se lembram das alfinetadas desfechadas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), o filho 03 do presidente, e o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, contra o país asiático. Os dois têm ironizado e repelido, via redes sociais, qualquer iniciativa de azeitar as relações comerciais com a China, classificadas por eles como “ditadura comunista”. Isso inclui oposição à participação chinesa no leilão da telefonia 5G. Agora surge o boato de que os chineses querem a renúncia de Araújo para prosseguirem negociações com o Brasil.
O alinhamento antichinês e automático do governo Bolsonaro com os Estados Unidos sempre foi reprovado pelos ministros militares, que defendem pragmatismo: o que for melhor para o Brasil, venha de onde vier. A passagem do tempo parece dar razão aos oráculos fardados. A primeira e única vacina com que o Brasil conta — até o dia de hoje — é a chinesa Sinovac (que no Brasil é feita em parceria com o Instituto Butantã e ganhou o nome de Coronavac). E os chineses têm retardado o envio de insumos para fabricação de mais vacinas, talvez pela oposição que sofrem do governo brasileiro.
Ao contrário da família Bolsonaro, o vice-presidente brasileiro, general Hamilton Mourão, participa de reuniões da Câmara de Comércio Brasil-China e defende a participação de todos no 5G (inclusive os chineses). Ele lembra, a quem quiser ouvir, que a China é a maior parceira comercial dos brasileiros. Compra sobretudo soja e minérios produzidos aqui. E a chinesa Huawei já está na telefonia, com equipamentos retransmissores para as telefônicas brasileiras convencionais. Daí ao 5G é só um passo.
Em resumo, bloquear os chineses na telefonia é risco de boicote à nossa soja, aos nossos minérios e à nossa necessidade mais imediata: a vacina. Os ministros militares avisam isso há tempos a Bolsonaro. Parece que agora conseguiram ser ouvidos.
Não é outro o motivo da viagem do ministro Fábio Faria. Ele planeja ir à Finlândia (sede da Nokia), Suécia (da Ericsson), Coreia do Sul (da Samsung) e China (da Huawei e ZTE). A meta é conversar com todos os presidentes globais dessas empresas, antes de decidir se haverá motivos para algum tipo de restrição à Huawei. Os Estados Unidos, quando Donald Trump era presidente, avisaram que os chineses poderiam usar o 5G para espionar e controlar as comunicações brasileiras. Como Trump já não governa seu país, é provável que os ventos da negociação tenham chegado também ao Palácio do Planalto.