As redes sociais amanheceram agitadas nesta quarta-feira (5) com um tuite do ministro da Cidadania, o gaúcho Osmar Terra. Ele compartilhou cópia de uma decisão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que considerou, num caso específico, que disparos efetuados por criminosos em fuga contra policiais, sem que se faça mira, não é tentativa de homicídio, mas apenas resistência, delito menor, que não possibilita prisão.
Terra colocou lenha na fogueira, acrescentando perguntas:" Gostaria de saber duas coisas: 1) como vai provar que o tiro era sem fazer mira?!! 2) alguém acha que essa decisão vai diminuir a violência?!"
Em minutos a publicação tinha mil curtidas e 337 retuítes, quase todos de pessoas alarmadas com os "desatinos da segurança pública" no país. "Mas se o Pai de família dispara contra o bandido é tentativa de homicídio", alvejou um seguidor do ministro no Twitter.
Já tínhamos ouvido falar da decisão. Fomos reler, para ver se é tudo isso. Em primeiro lugar, necessário dizer que é fato antigo: de julho de 2019. Em segundo lugar, os desembargadores julgaram um caso específico —a fuga de traficantes num veículo, que dispararam contra PMs na tentativa de retardar a perseguição — e disseram que "os disparos não necessariamente eram tentativa de homicídio".
Falei com um desembargador, colega dos que julgaram o caso. Ele confirmou algo que eu suspeitava: essa decisão não é uma jurisprudência, ou seja, uma tendência no Judiciário. Ao contrário: ela é relativamente rara no meio jurídico brasileiro.
— A maioria absoluta dos desembargadores considera, sim, tentativa de homicídio atirar contra policiais. Até pelo fato de que os criminosos, ao dispararem, não estão ligando se atingiram muitas pessoas, o que interessa a eles é garantir a fuga. Agem de forma amoral e dolosa — opina esse desembargador, meu amigo.
A decisão tomada pela 3ª Câmara é um mero precedente. Ou seja, abriu uma discussão. Mas continua sendo uma tendência minoritária. Leitor, pode apostar que nove em cada 10 juízes gaúchos consideram crime contra a vida o criminosos contumaz disparar contra alguém, seja policial ou mero transeunte.
A gritaria nas redes é maior porque o magistrado-relator da polêmica decisão, Sérgio Miguel Achutti Blattes, enfatizou que os criminosos não tinham mirado nos policiais. Aí tem razão o ministro Terra: como vai provar que o tiro era sem fazer mira?
Creio que Terra colheu o que queria, aplausos por divulgar tão inusitada decisão. Sobretudo no campo político que ele endossa ultimamente, o conservadorismo. Pena que o tuite do ministro omita o fato de que esse despacho judicial é uma raridade, com escassas chances de virar tendência.