Uma atividade cultural pouco celebrada, mas muito prestigiada por aí, é a dos vídeos cover no YouTube. Mas não pode ser qualquer cover, tem que ser a reprodução de alguma difícil passagem musical, dessas que não é qualquer um que toca. Como a linha de baixo de Circumstances ou o rolo de bateria de Tom Sawyer, do Rush. Os vídeos cover não costumam ser assunto nas rodas intelectuais, mas basta ver a quantidade de visualizações para constatar sua popularidade.
Ainda lamentando a morte de Neil Peart, baterista e letrista do Rush e gênio das baquetas, me consolei ao ser informado que que em março haverá um festival totalmente dedicado à banda em Criciúma, com três bandas cover. Porque, meus amigos, não é fácil fazer uma banda cover do Rush. São necessários três excelentes músicos, sendo que um deles tem de cantar e tocar baixo e teclado em uma mesma música.
O Rush foi uma descoberta tardia para mim. Passei a adolescência ouvindo rock e metal, mas o trio canadense não costumava tocar no meu walkman. Anos depois, já tendo migrado para o jazz e a bossa nova, fui apresentado ao disco Hemispheres por um amigo. E decidimos – por que não? – fazer uma banda cover para recuperar o tempo perdido. Uma ótima ideia, caso tivesse dado certo.
Vontade não nos faltava; técnica, talvez. Foi bonito o primeiro e último ensaio em um estúdio de Porto Alegre. Reunimos uma formação exótica: um guitarrista e vocalista, outro guitarrista, um baterista, um tecladista e uma baixista. Cinco músicos para fazer o trabalho que as outras bandas cover – a exemplo do próprio Rush – dão conta com três. Nem todos naquele estúdio eram fãs da banda. A baixista e o tecladista estavam lá mais pela amizade, e o vocalista/guitarrista, que encontramos por meio de um site, nunca mais vimos depois.
Após várias tentativas, não terminamos sequer a primeira música proposta, que era Tom Sawyer. Nenhum dos dois guitarristas conseguia tocar o solo, e assim jamais chegava a hora do baterista exibir aquela parte difícil que o Neil Peart inventou. A certa altura, alguém sugeriu que pulássemos direto para o rolo de bateria, só para ver como ficaria. Nosso batera se saiu muito bem, e foi como se naquela hora todos tivéssemos alcançado um pouco a redenção.